O Diário de Ouro Preto homenageia hoje um de nossos ilustres leitores que nos deixou em março publicando um artigo especial sobre o artista

Por: Sidnéa Santos

Possivelmente se você procurar em Ouro Preto pelo Sr. Antônio Marcos de Paula, muitas pessoas dirão “não conheço”, mas se você procurar por Tunico dos Telhados, imediatamente todos reconhecerão o nome.


Ouro-pretano do bairro Antônio Dias, nascido em 13/06/1952, filho de D. Maria de Lourdes e Sr. José Cirilo de Paula, tinha 7 irmãs, era o único menino na casa de 8 filhos, porém das 7 irmãs só conviveu com duas, pois as outras faleceram ainda criança. Desde muito cedo Tunico aprendeu a necessidade de trabalhar para obter seu sustento e ajudar os pais. Na adolescência trabalhou como auxiliar de mecânico, trabalhou também servindo café como Copeiro na Escola de Minas e trabalhou no serviço de capina da prefeitura de Ouro Preto. Contudo, a arte sempre esteve presente na vida de Tunico. Seu pai era desenhista e músico músico, tocava na banda, sua mãe tocava violino.


Aluno das Escolas Marília de Dirceu, do D. Pedro II e do extinto Colégio Baeta no Antônio Dias, Tunico não esconde que tinha preferência pelas aulas de artes e pelas feiras culturais, realizadas pelas supracitadas escolas. Foi assim que nasceu sua paixão pelo desenho e pela pintura, que tomou como profissão a partir dos 19 anos e passou a dedicar-se totalmente ao campo das artes plásticas, pintado paisagens de Ouro Preto, e mostrando seus trabalhos nos festivais de inverno da UFMG, realizados em Ouro Preto à época. Muitos ficavam curiosos porque ao invés de usar uma palheta, Tunico usava um prato de louça para misturar suas tintas, criando tons únicos.


Em 1972 Tunico se muda para São Paulo, para aprimorar seus estudos. Uma vez em solo paulista ele participa de exposições na Associação Paulista de Belas Artes/ Colégio São Judas Tadeu, na Pinacoteca de São Paulo e na Feira de Arte da Praça da República. É em São Paulo, lendo uma das primeiras edições do Romanceiro da Inconfidência, livro de Cecília Meireles, que ele havia comprado num sebo; e observando cuidadosamente a capa do livro, que Tunico muda totalmente seu estilo de pintar e começa a retratar em seus quadros os telhados afrobarrocos de sua terra natal.


Em 1991 Tunico retorna a Ouro Preto, trazendo junto suas filhas Kátia e Indaiá, frutos do casamento em São Paulo. As meninas à época tinham 11 e 06 anos, e vieram morar com o pai. Restabelecido em Ouro Preto, Tunico dedica sua vida à pintura e ao cuidado das filhas. Mas essa pintura já não é mais de paisagens. Essa pintura agora é exclusivamente de telhados, entremeados por igrejas, por ideogramas da simbologia Adinkra (herança africana dos povos Ashanti que Tunico aprendeu a identificar na arquitetura da afrobarroca Ouro Preto, exaltando seus antepassados e ancestrais), por inúmeras ladeiras e por cores como o preto, o vermelho e o azul. O artista passa a ser identificado pelo codinome “ Tunico dos Telhados”, que ele adotou definitivamente.


Com obras espalhadas por várias regiões do Brasil e do mundo, único detentor da técnica, Tunico dos Telhados reproduz em suas telas a arte ancestral de moldar telhas de barro em formas de madeira, e produzir esse efeito que encanta moradores, turistas e visitantes, ao, de qualquer ponto da cidade, observar seus conjuntos de telhadas, sobrepostos, intercalados, moldados por serras e vales.


Além da influência da capa do livro de Meireles, Tunico dos Telhados, nas pesquisas sobre história e religião, sofreu também uma influência inevitável do catolicismo presente nos telhados dos seculares templos religiosos de Ouro Preto, e fazendo uma ligação com toda a história da Inconfidência Mineira, cita a passagem bíblica do Apóstolo Lucas:
Pois o que dissestes às escuras será dito à luz; e o que falastes ao ouvido nos quartos será publicado de cima dos telhados.” . São Lucas 12 2-3


E assim, numa mistura de família, arte, fé, religião e ancestralidade, numa escolha de viver do seu dom num país onde a valorização dos artistas é por vezes tão difícil, Tunico dos Telhados chega aos 69 anos com mais de mil obras produzidas. Sua última exposição pública foi no período de 21/12/2018 a 10/02/2019, na Sala Manoel da Costa Athaíde/Museu da Inconfidência, organizada à época pela então Diretora do Museu, Historiadora Margareth Monteiro.


A Pandemia restringiu as exposições em galerias e Tunico dos Telhados tem mantido os trabalhos em seu ateliê e em casa, sendo que em casa se misturam o artista, o pai e o avô. Segundo Tunico dos Telhados, “minhas filhas e meus 4 netos, minha família, esses sim são o verdadeiro sentido da minha existência e da minha arte”.

Fotos: Sylvio Netto, que entrevistou Tunico em 2023