Por Sidnéa Santos- preta de Ouro Preto. Atriz, Historiadora e Pesquisadora

8 de julho de 2021, Ouro Preto, a exemplo de Mariana e Sabará,  celebra 310 anos de criação das 3 primeiras vilas da “Capitania de São Paulo e Minas do Ouro”, ocorrida no mês de julho de 1711. 

Minas só se tornaria independente de São Paulo após  a Revolta Escrava de 1719  e na sequência a famosa Revolta de Filipe dos Santos, em 1720.

Mas para que a elevação à categoria de Vila, com a instalação da Câmara fosse possível em 1711, é preciso que não seja esquecida outra história: a dos vários povoados que foram juntados em 1711 para que assim surgisse a Vila de N.Sra. do Carmo (atual Mariana), a Vila Rica do Ouro Preto(hoje município de Ouro Preto) e a Vila de Sabarabuçu (atual Sabará).

No caso específico de Ouro Preto, de tempos pra  cá, o sistemático apagamento dos 13 anos que antecedem a criação das Vilas tem sido extremamente prejudicial, sobretudo no processo de decolonizar a nossa história.

Apagar a existência dos inúmeros arraiais que foram criados aqui na busca desenfreada pelo ouro, é esquecer que essas terras já eram povoadas pelos seus verdadeiros donos muito antes da chegada do colonizador. Povos originários como os Aredes, Botocudos (Borum-Kren), Cataguases, Carijós e  tantos outros  já habitavam esse lugar. Foram escravizados e exterminados muitas vezes em decorrência da violenta invasão europeia,  desde a segunda metade do séc. XVII. 

Muitos topônimos e localidades conhecidos por nós até a hoje, como Botafogo, Bocaina, Curralinho, Três Cruzes, Bela Vista, Bom Sucesso,Padre Faria, Antônio Dias, Taquaral, Ouro Podre, Ouro Fino, São Bartolomeu,  Caquende,  dentre outros,   decorrem desse povoamento inicial, que oficialmente fica registrado em 24 de junho 1698, noite de São João,  com a chegada do Bandeira de Antônio Dias, Padre Faria e os irmãos Camargos. 

As Entradas e Bandeiras paulistas e portuguesas só conseguiram “desbravar” esses territórios graças aos povos originários, que já tinham inúmeros caminhos e estradas cortando todo o território de Pindorama e chegando até o que hoje se configura como países vizinhos ao Brasil. 

Nas famosas Minas Gerais, o esgotamento do ouro de aluvião faz com que Portugal, que já havia invadido vários territórios do continente africano, passe a trazer forçadamente para cá povos que já dominavam a mineração, a metalurgia e a siderurgia, além do plantio e criação de animais. 

São quase 400 anos de Escravidão para enriquecer a Europa com o sangue indígena e africano escravizados no Brasil. 

Falar dos 323 anos de Ouro Preto e dos 310 anos de Vila Rica já não pode ser mais só repetindo a história oficial, masculinizada e excludente,  que nos foi congada durante esse tempo todo. 

Outros protagonistas precisam ganhar voz e vez. Descolonizar e decolizar é urgente e necessário. 

As vozes femininas, durante séculos caladas ou diminuídas na história de homens brancos romperam o silêncio nos cantos de Carabina, na risada de Ninica, na luta incansável de Márcias, Franciscas, Solanges, Marises, Beatrizes, Silocas. 

A troca dos dizeres racistas da bandeira de Ouro Preto em 20 de novembro de 2005, foi o prenúncio de um novo tempo. Um tempo em que a “poeira dos porões” foi tirada para contar a história da Ouro Preto que desce o morro e sobe ladeira, da Preta Ouro Preto que canta e dança para expressar sua Fé com a batida africana de seus tambores e sinos. Que traz na sua culinária e na sua medicina as marcas da presença indígena que resiste, não mais silenciosa. Outra história está sendo contada aqui, por vozes que a história oficial não mais consegue emudecer. Viva esse indígena e negro território chamado Ouro Preto!

#OuroPreto323

#VilaRica310