A Calixcoca, para tratar dependência em crack e cocaína, poderia estar no mercado em dois anos se garantidos os investimentos necessários

Embora já testada em animais e premiada, a vacina terapêutica Calixcoca ainda demanda recursos para cumprir todas as fase de testes em humanos e ser aprovada para uso no tratamento de dependentes de crack e cocaína, conforme ressaltou nesta quarta-feira (16/8/23) o pesquisador Frederico Garcia.

Ele participou de audiência na Comissão de Educação, Ciência e Tecnologia da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) sobre a vacina, desenvolvida pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e finalista do 2° Prêmio Euro Inovação na Saúde, da Eurofarma.

Coordenador do Centro Regional de Referência em Drogas da UFMG, Frederico Garcia estimou, em entrevista à imprensa dada na ALMG, que seriam necessários R$ 30 milhões de investimentos para que todas as etapas de aprovação da vacina sejam concluídas.

Ele previu que garantidos esses recursos, a vacina poderia estar disponível ao mercado em dois anos. Nos testes em ratos, por exemplo, foi observada a produção de anticorpos anticocaína no organismo dos animais.

Cláudia Leite, subsecretária de Políticas sobre Drogas da Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp), classificou o projeto de desenvolvimento da vacina como arrojado e inovador e anunciou na audiência que o Estado investirá R$ 10 milhões para pesquisas clínicas da Calixcoca em humanos.

“A vacina é a esperança de milhões de pessoas e suas famílias”, disse ela, ao citar dados de 2019 do escritório de drogas da ONU, a Organização das Nações Unidas, apontando que 35 milhões de pessoas no mundo sofrem de dependência química e que somente uma em cada sete recebem tratamento.

Na América Latina, a cocaína é a droga ilícita mais relevante, ao passo que a dependência do crack afeta mais de um milhão de pessoas no Brasil, País que lideraria o ranking mundial nesse quesito.

Segundo outros dados expostos pela subsecretária, a produção de crack dobrou entre 2014 e 2019, sendo essa droga apontada como a causa mais prevalente de internações. O dependente em crack ainda teria uma chance de mortalidade sete vezes maior do que a do restante da população.

Objetivo é tratar a dependência

O pesquisador Frederico Garcia relatou à comissão que a ideia do projeto de desenvolvimento da vacina surgiu em 2012, e traz um novo conceito, por se tratar de uma vacina terapêutica, e não de prevenção.

Nesse sentido, ele esclareceu que o objetivo não é ter uma vacina que seja distribuída em espaços urbanos como aqueles conhecidos como cracolândia, e nem se sobrepor a outras formas de atenção ao problema.

“A vacina vai ser testada dentro das melhores práticas e sendo aprovada será usada em pessoas que estejam engajadas num programa de tratamento, com o objetivo de que possam prosseguir na abstinência. O intuito nunca foi o de usar ou distribuir a vacina de forma indiscriminada.” Frederico Garcia – Coordenador do Centro Regional de Referência em Drogas da UFMG


Frederico Garcia ainda ressaltou que o desenvolvimento da vacina nasceu de uma necessidade clínica, quando o Ministério Público adotou a postura de que os bebês das usuárias de drogas precisavam ser retirados de suas mães logo após o parto.

“O que para nós é uma tragédia”, repudiou ele. A medida do MP, segundo o pesquisador, causou comoção na universidade, ao fazer chegar ao centro que dirige diversas mulheres “pedindo pelo amor de Deus” para pararem de se drogar antes do nascimento de seus bebês.

Frederico Garcia ainda observou que o projeto da vacina parte do desenvolvimento de uma molécula inovadora, que pode servir ao desenvolvimento também de outros produtos.

Ele também registrou que o Brasil é signatário da OCDE, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, o que significa que os estudos positivos em torno de produtos como a Calixcoca têm ressonância no cenário internacional.

Contudo, frisou que o País não implementou a infraestrutura necessária para atender às demandas da organização, no caso em questão uma rede de laboratórios de boas práticas de fabricação, e que por isso uma série de patentes nacionais estariam estagnadas.

Fapemig


Fernando dos Reis, pró-reitor de Pesquisa da UFMG, frisou que a vacina traz um imenso grau de inovação e pioneirismo na forma de seu desenvolvimento, o que segundo frisou já chamou atenção também de outros países e poderá gerar uma nova era no enfrentamento da dependência de drogas.

Apesar de todo esse avanço até aqui, ele também frisou que há necessidade de novos aportes de recursos para que o projeto tenha garantia de continuidade.

Luiz Cláudio Barbosa, chefe do Departamento de Química da UFMG, acrescentou que o desenvolvimento da vacina é um projeto multidisciplinar dentro da universidade.

Ele disse que a Fapemig, a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais, teve um papel essencial na capacitação de pessoal e na montagem de infraestrutura para os estudos em torno da vacina, mas frisou que a fundação precisaria investir mais nas próximas fases.

Já Lourdes Aparecida Machado, presidente do Conselho Estadual de Saúde, defendeu que o debate em torno da vacina contra o crack e a cocaína envolva também o SUS e outros tipos de dependência química, como o alcoolismo e o uso indiscriminado de medicamentos prescritos, e que segundo ela também viciam e têm afetado crianças e adolescentes, como a ritalina.

Vacina é elogiada por deputadas


A deputada Beatriz Cerqueira (PT), que pediu a audiência, frisou que a agenda de agosto da comissão, a qual preside, tem se decicado a valorizar a importância da pesquisa em Minas e no País, após as tentativas recentes que segundo a deputada visaram a desqualificação da ciência em nome do negacionismo.

Elogiando a vacina da UFMG, ela também frisou que a comissão atua na fiscalização dos recursos do Estado que constitucionamente devem ser destinados à Fapemig para pesquisa.

A deputada Chiara Biodini (PP) disse que a Calixcoca é uma vacina que merece aplauso e que espera que o governo federal compre a vacina uma vez que ela tenha seu uso aprovado.

A deputada Marli Ribeiro (PSC) também aplaudiu a iniciativa, dizendo acreditar que a fé e a ciência podem estar juntas, fazendo segundo ela um trabalho de recuperação da dependência química e também de ressocialização.

Fonte: Assessoria ALMG

Foto: Guilherme Bergamini