O julgamento da mineradora anglo-australiana BHP em Londres, na ação movida pelas vítimas do rompimento da barragem de Mariana (MG), teve nesta quinta-feira (13) uma etapa decisiva. A justiça inglesa recebeu as alegações finais da acusação e da defesa, e a expectativa é de que a sentença seja divulgada em junho ou julho.

Caso o tribunal decida pela condenação da empresa, o processo irá para a fase de cálculo da indenização, programada para acontecer entre final de 2026 e início de 2027. Mas o escritório Pogust Goodhead, que representa cerca de 620 mil atingidos e 31 municípios, está confiante de que será possível receber parte do valor antes.

“Dentro da lei inglesa, se há um julgamento a seu favor, é possível pedir para a Corte antecipar as indenizações. Existe a possibilidade de receber um percentual antes de chegar no fim do processo, algo em torno de 50% a 75% dos valores dos danos”, disse Tom Goodhead, diretor executivo do escritório.

Os advogados que representam os atingidos pleiteiam uma indenização em torno de R$ 260 bilhões, a ser paga à vista. No processo, são listadas perdas de propriedades e de renda, aumento de despesas, impactos psicológicos, impactos decorrentes de deslocamento e falta de acesso à água e energia elétrica, entre outros prejuízos.

O advogado e ex-ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, atua no processo em cooperação com o escritório Goodhead. Ele subsidia os advogados ingleses com informações sobre as normas jurídicas brasileiras, e está otimista em relação à condenação da BHP.

“Tenho convicção de que a prova produzida sobre a responsabilidade da BHP é avassaladora. Ela será condenada e a indenização deve ser bastante superior à fixada no acordo do Brasil. Por isso, a empresa correu para tentar fazer o acordo no Brasil, para tentar esvaziar a ação na Inglaterra”, diz Cardozo.

Na quinta-feira passada, foi finalizado o prazo de assinatura dos municípios ao acordo de reparação da Samarco, mineradora controlada pela Vale e BHP, homologado no Superior Tribunal Federal (STF).

A repactuação preconiza que serão destinados R$ 170 bilhões para ações de reparação e compensação de danos causados pelo desastre. Os municípios tem direito a apenas 4% desse valor.

Os 26 municípios que aceitaram os termos propostos abriram mão de entrar com outras ações contra as mineradoras. Caso haja condenação da BHP na Inglaterra, portanto, não terão direito a nenhum valor.

“Estamos aqui unidos, os 23 prefeitos que não assinaram o acordo e outros nove prefeituras que não foram reconhecidas no Brasil. Foi um processo muito difícil, com muita pressão para que assinássemos. Mas os valores ofertados foram baixos, com previsão de pagamento em 20 anos. E estamos confiantes de que, com essa condenação em Londres, vamos receber de forma imediata e com valor superior ao oferecido no Brasil”, disse Juliano Duarte, prefeito de Mariana.

Rompimento da barragem

O rompimento da barragem ocorreu no dia 5 de novembro de 2015. Cerca de 39 milhões de metros cúbicos de rejeitos – volume suficiente para encher 15,6 mil piscinas olímpicas – escoaram por 663 quilômetros pela Bacia do Rio Doce até encontrar o mar no Espírito Santo.

A tragédia deixou 19 mortos. Os distritos mineiros de Bento Rodrigues e Paracatu foram destruídos pela enxurrada. Houve impactos ambientais e as populações de dezenas de municípios de Minas Gerais e do Espírito Santo foram afetadas.

Para os que perderam familiares no rompimento da barragem, a proximidade de um desfecho do caso na Inglaterra é vista como um alívio.

“Desde o rompimento, a gente tem ciência de que a Vale, BHP e Samarco são culpadas pelo crime. Não foi fatalidade, nem acidente. Vinte vidas foram ceifadas. O que a gente deseja é essa responsabilização”, disse Monica dos Santos, que perdeu a casa no desastre.

“Fica a ansiedade, mas ao mesmo tempo sensação de vitória por chegar nessa fase final. É algo muito cansativo para todos. São nove anos e meio de espera por justiça. Mas a gente tem muita esperança de que a empresa vai ser condenada”, disse Gelvana Rodrigues, que perdeu o filho Thiago, de 7 anos.

“Só de saber dessas alegações finais, fico mais aliviada. É muito doloroso estar aqui, mas a sensação é de que a justiça vai ser feita e a BHP, condenada. Vou ter um pouco mais de paz se souber que a vida da minha filha não foi levada em vão”, disse Pamela Fernandes, que perdeu a filha Emanuelle, de 5 anos.

17.06.2024. Belo Horizonte (MG) - Atingidos pelo rompimento da barragem da mineradora Samarco realizaram uma manifestação em Belo Horizonte onde cobram participação nas negociações envolvendo a repactuação do acordo de reparação.
MAB/Divulgação

Atingidos pelo rompimento da barragem da mineradora Samarco realizam uma manifestação em Belo Horizonte, em 17/06/2024 MAB/Divulgação

Nota da BHP

“O rompimento da barragem de Fundão da Samarco em 2015 foi uma tragédia, e nossa solidariedade permanece com as famílias e comunidades atingidas. As audiências no Reino Unido sobre a alegada responsabilidade da BHP terminaram em 13/03 e uma decisão deverá ser proferida pelo Tribunal até o final do ano. Se o caso continuar após a decisão sobre responsabilidade, a segunda fase do julgamento está programada para ocorrer entre outubro de 2026 e março de 2027. Em seguida, será necessária uma terceira etapa, ainda não agendada, na qual cada reclamante precisará provar seus danos individuais antes que qualquer pagamento seja feito, o que poderá ocorrer somente após 2028.

Desde o primeiro dia, a BHP Brasil tem apoiado a Samarco para a garantir compensação e reparação justas e abrangentes para as pessoas e o meio ambiente atingidos pelo rompimento da barragem. Nos últimos nove anos, a Samarco e a Renova, apoiadas pela BHP Brasil e Vale, forneceram assistência financeira emergencial e pagaram indenizações a aproximadamente 432.000 pessoas, empresas locais e comunidades indígenas e tradicionais, e está reparando o meio ambiente, moradias e infraestrutura impactadas. Aproximadamente 200.000 requerentes no Reino Unido já receberam um total de R$ 9,5 bilhões por meio dos programas indenizatórios disponíveis no Brasil.

Em outubro do ano passado, um novo e definitivo acordo de R$ 170 bilhões foi assinado com as autoridades brasileiras, o maior do gênero na história do Brasil, para fornecer apoio de longo prazo às comunidades atingidas. Mais de 70.000 pessoas já se inscreveram para um novo e definitivo sistema indenizatório conduzido pela Samarco no Brasil, sendo o caminho mais rápido e eficiente para o recebimento de indenizações. Além disso, 26 municípios também assinaram o acordo no Brasil, 15 dos quais são requerentes do Reino Unido e retiraram (ou estão em processo de retirada) suas demandas no Reino Unido.

Estamos confiantes com nossa defesa no Reino Unido e nas evidências apresentadas, as quais demonstram que segurança sempre foi prioridade para a BHP e que agimos com responsabilidade. Continuaremos a nos defender no caso, respeitando o processo legal inglês. A BHP não está envolvida em nenhuma negociação de acordo em relação ao processo inglês e continua certa de que o trabalho em andamento no Brasil desde 2015 é o melhor caminho para garantir uma reparação completa e justa para as pessoas atingidas e para o meio ambiente”.

Rafael Cardoso – Repórter da Agência Brasil

Publicado em 13/03/2025 – 18:59

Rio de Janeiro Foto Antônio Cruz/ Agência Brasil