As três irmãs mineradoras, Vila do Carmo, Sabará e Vila Rica, são as precursoras da política e da democracia mineira. As três câmaras foram instaladas com apenas alguns dias de diferença, dentro das leis régias, segundo as ordenações do Reino. Aí começa a história do apreço que tem o mineiro pelo debate político. Para começar, uma forte noção de democracia. Mesmo sem direito ao voto direto, a população sempre achava um jeito de impor políticas públicas, usando o bom e velho método do abaixo assinado e das constantes cartinhas aos vereadores. Queremos uma ponte aqui, um calçamento ali, um chafariz, uma melhoria no traçado das ruas ou preços melhores na compra de alimentos. A fiscalização dos moradores também era um aspecto que continua vivo nos dias de hoje.
Ainda por cima, pessoas comuns ajudavam a escolher as listas de candidatos aos cargos de vereadores, que era de apenas um ano. O candidato não tinha muita escolha, se seu nome fosse sorteado nas listas de indicados pelas consultas de pé de ouvido, feitas no meio do povo. Era uma forma meio torta de democracia, mas funcionava. E tinham votação para quase todas as questões de interesse popular. Caso contrário, o pau quebrava mesmo.
Os fiscais e os cobradores não raro se viam em uma baita encrenca, se cobrassem mais do que podiam, se multassem sem razão ou se cometiam atos de corrupção. Um dos oficiais, o escrivão, passou maus bocados porque a população não concordou com os salários da função, considerados abusivos. A questão foi parar no colo do rei que deu razão ao povo e mandou corrigir a distorção e ainda por cima, ampliou as correções. E até os vereadores foram forçados a rever seus próprios salários. Muita gente foi demitida ou presa por causa de abusos com o dinheiro público, principalmente os empreiteiros que não cumpriam os contratos e prazos à risca.
O arrematante da renda da cadeia de certa época, por volta de 1740, amargou prisão por calote, um outro por gastos sem justificativa e ainda houve quem não explicou onde foram parar alguns bens. Um outro foi julgado e condenado por suspeita de ajudar na fuga de presos. Enfim, a honestidade nem sempre prevalecia entre os empreiteiros e oficiais. Mas, bem ou mal, as denúncias sempre eram investigadas e condenadas. Até as ausências da função.
Mas, entre os atos mais meritórios, os vereadores de Vila Rica tinham uma enorme preocupação com o bem estar de todos, principalmente nos preços, exatidão de pesos e medidas e na qualidade da alimentação. Para que todos tivessem acesso à carne, certos cortes eram mantidos muito barato e podiam comprar quantidades menores. Quem desobedecesse já sabia. Cadeia no ato. Atravessadores não eram tolerados. Aliás, a primeira sessão da Câmara, em 1711, tratou de estabelecer o exato peso e preço do pão, que era vendido de porta em porta pelas mulheres escravas e libertas. Outra preocupação era o abastecimento de água, limpeza e iluminação noturna das ruas e faltas de licenças profissionais.
Nem os padres escapavam, se oprimissem os fiéis com cobranças abusivas nos preços de missa, casamentos e batizados. Obras sem licença e fora dos padrões eram pesadamente multadas. Enfim, eram apenas cinco vereadores, num município bem maior do que é hoje em dia. Essa antiga estrutura nos legou uma cidade urbanizada, com pontes, arrimos, calçamentos, edifícios públicos, lindos chafarizes e uma drenagem pluvial que ainda funciona parcialmente, nos subterrâneos de algumas ruas. Não é uma memória isenta de manchas terríveis, mas estamos caminhando e tenho muita esperança que as gerações jovens encontrem, em sua cidade, o caminho seguro para uma vida digna e sem desigualdades.
Temos uma bela história no passado, mas ainda aguardamos um futuro mais igualitário e justo. Até que isso aconteça, parabéns, Ouro Preto do coração.
Por: Kátia Campos