Por Prof. Aisllan Assis – Professor de Saúde Coletiva da Escola de Medicina da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP)
Acolhimento e empoderamento dos moradores e moradoras do distrito uniu instituições e empresa na reconstrução da saúde coletiva no distrito de Ouro Preto
Desde 2019, a UFOP, cumprindo sua função social e extensão universitária, assumiu a interlocução no processo de construção de parcerias voltadas para o acolhimento e empoderamento de moradores e moradoras do distrito de Antônio Pereira, em Ouro Preto – MG. Por meio da Pró-reitoria de Extensão e Cultura (PROEX), especialmente representada por Flávio de Andrade, produtor cultural e importante articulador social da UFOP e de Ouro Preto, iniciamos conversas, encontros, visitas e amizades com o povo de Antônio Pereira. O acolhimento que se formou nesses primeiros encontros, traduz, desde o início, uma ligação potente e afetiva que inauguramos.
Antônio Pereira, distrito da cidade Patrimônio Cultural da Humanidade Ouro Preto/MG, conta com uma população de aproximadamente 5.200 habitantes. O distrito é dividido em dois grandes espaços urbanos: o conjunto original e histórico, com construções mais antigas, e uma área mais recente, um pouco distante do centro e implantada há poucas décadas, a Vila Residencial de Antônio Pereira, construído para abrigar trabalhadores da mineradora Samarco. O território do distrito é marcado por beleza naturais e uma linda paisagem, tipicamente mineira, que abriga uma comunidade viva e atuante, guardadora de tradições religiosas, artísticas e gastronômicas, como as quitandas.
Em 1984, foi descoberto que a comunidade Antônio Pereira está assentada em grandes jazidas de minério. Três grandes empresas, da área da mineração instalaram-se no local, sendo elas Samarco, Samitri e Companhia Vale do Rio Doce. Apesar dos trabalhos ofertados nas mineradoras, a prática do garimpo sempre perdurou no distrito, porém de forma rara e isolada por ser uma atividade não regulamentada no local. O território do distrito carrega uma história antiga de exploração do meio ambiente pela mineração, o que tornou a comunidade de Antônio Pereira atingida pelos danos da exploração mineral.
Em 05 de novembro de 2015, com a queda da barragem de Fundão da empresa Vale S/A, em Mariana – MG, houve gradativamente o aumento do desemprego no distrito e região, devida decisão do órgão ambiental de Minas Gerais, suspendendo as licenças da barragem da empresa, paralisando imediatamente as atividades nas usinas pela mineradora.
Este cenário de escassez de trabalho nas mineradoras atingiu muitas pessoas em Antônio Pereira que traz continuamente a cada declínio socioeconômico marcas e danos oriundos da extração mineral pelas empresas ou pela própria comunidade, com a prática do garimpo tradicional no distrito.
As obras de descaracterização da Barragem Doutor (Vale S/A) que se iniciaram em fevereiro de 2020, vêm causando, dia após dia, angústia e medo na comunidade. As obras de descaracterização da estrutura seguem causando danos ao distrito. Ao medo do rompimento e do deslocamento forçado, somam-se problemas como nuvens de poeira e poluição sonora constantes devido às atividades da mineradora. Além disso, os moradores também sofrem com questões de saúde mental causadas pela situação de vulnerabilidade.
O medo da ruptura das estruturas das barragens e a indignação sobre o pouco retorno que a mineração deixa para a comunidade, que é urbanizada, mas ainda precárias em estruturas básicas e serviços públicos, sempre foram presentes em Antônio Pereira.
Dada a minério-dependência, em períodos de baixa produção, a oferta de emprego diminui, ao mesmo tempo em que aumentam os problemas sociais, como a violência contra as mulheres. Tudo isso chegou para o cotidiano das escolas e famílias do distrito.
Em comunidades de interesse histórico, ambiental, econômico e cultural, como é Antônio Pereira, muitos jovens crescem distanciados das potencialidades locais, da importância do espaço que habitam e da cultura em que estão inseridos. E, muitas vezes, a juventude não tem consciência do compromisso que tem de vivenciar, de conservar e de transformar os bens naturais, materiais e imateriais. Muitos se afastam da oportunidade de desenvolver o sentimento de pertencimento e o interesse por conhecimentos que promoverão o autoconhecimento, o reconhecimento e a sustentabilidade.
Toda essa condição de vulnerabilidade socioambiental, de mal-estar e fortes impactos na saúde e saúde mental dos moradores e moradoras, fazem de Antônio Pereira um território prioritário para ações de extensão e pesquisa voltadas para acolhimento e empoderamento da comunidade.
O protagonismo das mulheres de Antônio Pereira, das associações comunitárias, professores e trabalhadores da saúde do distrito foi capaz de mobilizar as forças sociais e institucionais para apoiá-los na luta por vida digna e reparação do seu território.
Foi por meio desta luta e mobilização que a pessoas e instituições foram convidadas e mobilizadas a dar as mãos aos moradores e moradoras de Antônio Pereira, para juntos e unidos construir espaços de acolhimento e apoio psicossocial, capazes de reconstruir a saúde coletiva do distrito. A expressão “De mãos dadas com Antônio Pereira” simboliza a união da rede que se formou em prol dos moradores e moradoras do distrito.
O Programa de Educação Ambiental (PEA) da empresa Samarco S/A, ao longo de dois anos, levantou e organizou, junto à comunidade, demandas significativas que suprissem necessidades coletivas, voltadas para reparação dos impactos sociais e ambientais advindos da exploração mineral no território. O Centro Promocional e Educacional Padre Ângelo faz parte desse processo de reconstrução, por já estar atuando com atividades socioeducativas para a comunidade há mais de 30 anos, sendo referência de educação e apoio social para comunidade do distrito. A empresa e centro têm parceria antiga e seus representantes acionaram a Universidade para acolher as demandas da comunidade.
A UFOP, percebendo a relevância da ideia e a necessidade de ações voltadas para a comunidade de Antônio Pereira – que vem sofrendo com a carência de ações e projetos que realmente invistam na redução das mazelas sociais – reafirma o seu compromisso educacional e social, assumindo o papel de interlocutor entre as unidades da Universidade e o Instituto Federal de Minas Gerais (IFMG), campus Ouro Preto.
Com essa força, vislumbrou-se a proposta para a criação do “Programa UFOP e IFMG de mãos dadas com Antônio Pereira”, envolvendo ações do PEA. Professores das Escolas de Medicina, de Minas e de Nutrição e do Instituto de Ciências Exatas e Biológicas, assim como técnicos- administrativos da UFOP deram as mãos a professores e técnicos do IFMG do campus Ouro Preto, a especialistas da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) da Prefeitura Municipal da cidade, unindo-se à comunidade de Antônio Pereira, através de encontros organizados na comunidade. Formou-se a Grande Roda de Mãos Dadas com Antônio Pereira!
Foram então elaboradas propostas socioeducativas focadas no desafio de construir juntos soluções inovadoras para o acolhimento e o empoderamento dos moradores do distrito, que sofrem com a carência de atividades sociais, culturais, esportivas e econômicas, situação agravada com a pandemia da Covid-19. Essa articulação deu origem a projetos de extensão que relacionam garantia de direitos, a saúde mental, com as habilidades necessárias para o desenvolvimento da autoestima, autonomia e conhecimento.
O Pereira Lab!, projeto de extensão realizado por professores e técnicos do IFMG campus Ouro Preto, juntamente com professores e estudantes de Ciências da Computação da UFOP, promove oficinas de informática, computação e robótica para adolescentes e jovens de Antônio Pereira. O projeto Panificação e quitandas vem realizando oficinas profissionalizantes e resgatando a história e memória das quitandeiras do distrito. Realizado por professoras e estudantes da Escola de Nutrição da UFOP e de Gastronomia do IFMG campus Ouro Preto, o projeto formou sua primeira turma e agora organiza a feira de gastronomia e quitandas de Antônio Pereira, a ser realizada ainda esse ano.
Em parceria com a equipe de saúde da família e saúde mental da Unidade Básica de Saúde (UBS), juntamente com representantes da gestão da secretaria municipal de saúde do município, iniciamos a construção do ACALENTO -grupo de acolhimento de Antônio Pereira, um grupo terapêutico voltado para acolhimento dos moradores e moradoras em sofrimento mental e necessidades psicossociais. A construção se deu primeiramente pelo acolhimento e treinamento da equipe de profissionais de saúde, entendendo que eles formam um grupo prioritário para promoção da saúde mental nesses tempos de pandemia e emergência sanitária. Durante um ano, realizamos o minicurso “Os sentidos da roda”, com rodas formativas e de acolhimento para os profissionais de saúde que atuam em Antônio Pereira, preparando e acolhendo os profissionais para o trabalho e cuidado em saúde mental. Em maio deste ano, formamos 40 profissionais no minicurso e desde fevereiro o grupo de acolhimento vem realizando suas sessões semanais no posto de saúde, atendendo a comunidade e dando suporte às ações de saúde mental do Sistema Único de Saúde (SUS) no distrito.
Esses três projetos são realizados de forma entrelaçada com a comunidade, nos espaços comunitários, com foco na saúde, nas oportunidades de trabalho, geração de renda e na educação de qualidade. O objetivo dos projetos é promover o acolhimento e empoderamento pessoal, de respeito recíproco, de engajamento, de corresponsabilidade e de participação social dos moradores do distrito de Antônio Pereira. Isso fortalece a união entre UFOP, IFMG, empresas, Prefeitura Municipal e moradores do distrito de Antônio Pereira para a construção coletiva do acolhimento e empoderamento da comunidade. Enquanto capacitar adolescentes, jovens, adultos e idosos, é promover o respeito e exercitar a cidadania, formando indivíduos zeladores e multiplicadores socioculturais na própria comunidade, atentos às necessidades comunitárias e competentes em seus ofícios. São formas belas e potentes de acolher e promover a saúde coletiva de todos!
Em 2021, conseguimos recurso financeiro advindo da multa aplicada as empresas responsáveis pelo rompimento da barragem em Mariana, por meio de edital público¹. A verba tem financiado bolsas para estudantes da UFOP e IFMG moradores do distrito, custeio e compra de materiais para realização dos projetos de extensão. A empresa Samarco, contribui com a iniciativa financiando a logística e alimentação dos participantes das atividades, além de dedicar equipe de análise ambiental para apoiar as ações do programa. O centro promocional e educacional Padre Ângelo acolheu as oficinas de panificação e quitandas e o Pereira Lab. O posto de saúde do bairro, assim como as associações e grupos comunitários recebem e acolhem os participantes no grupo de acolhimento e grande roda de mãos dadas. Profissionais da Prefeitura Municipal, juntamente com moradores e moradoras participam das atividades, fortalecendo a integração e apoio comunitário a rede de parcerias e trabalho coletivo. A UFOP apoia os projetos com bolsas de extensão, auxílio extensão, registro e certificação de todas as atividades realizadas na comunidade. É assim que as mãos de tantas pessoas vêm se mantendo unidas com o povo de Antônio Pereira.
Agradecemos a todos e todas que integram, fortalecem, acolhem e sustentam essa rede de solidariedade e afeto. Honramos o povo de Antônio Pereira! Valorizamos sua cultura e resistência histórica! Aprendemos e desenvolvemos juntos, Universidade, Instituto, empresa e comunidade, nossas potencialidades e lutas na busca pela saúde e pela vida digna. Seguimos unidos, de mãos dadas, promovendo o acolhimento e empoderamento dos moradores e moradores de Antônio Pereira.
Acolhimento e empoderamento dos moradores e moradoras do distrito uniu instituições e empresa na reconstrução da saúde coletiva no distrito de Ouro Preto
¹ – EDITAL No. 01/2020 – Fomento a projetos interinstitucionais de extensão em interface com a pesquisa para promoção dos objetivos de desenvolvimento sustentável (ods) e enfrentamento à pandemia da covid-19.
Fotos: Arquivo Pessoal
Prof. Aisllan Assis é Doutor em saúde coletiva, especialista em Psiquiatria e Saúde Mental. Coordena, juntamente com equipe do IFMG e comunidade, o programa de extensão “UFOP e IFMG de mãos dadas com Antônio Pereira”. Contato: aisllanassis@ufop.edu.br