Por: Kátia Maria Nunes Campos

Esta é uma história surpreendente e tão fora do comum, que até duvidam que tenha acontecido. Em Ouro Preto, nunca mais se falou a respeito do assunto. E, no entanto, a história é mais curiosa que um tremor de terra, na cidade, ocorrido no final do século XIX e nem se pode comparar com a neblina de 1833. 

Desta vez, a coisa misteriosa ocorreu no céu, acima das cabeças dos assustados moradores, no final do século XVIII… Um estranho corpo celeste apareceu, de repente, sem que o povo soubesse o que era aquilo, acreditando em todo o tipo de mau agouro e avisos de acontecimentos maléficos. Um raro cometa e sua cauda brilhante. Imaginem o medo!

Tomás Antônio Gonzaga, da janela da casa do Ouvidor viu o estranho astro e escreveu o seguinte: 

“Mil coisas feias, sem querer, revolvo. 

Por ver se a dor divirto, vou sentar-me, 

na janela da sala, e ao ar levanto

Os olhos já molhados. Céus, que vejo!

Não vejo estrelas que serenas brilhem.

Não vejo a lua que prateia os mares:

Vejo um grande cometa a quem os doutos, 

Caudatum apelidaram. Este cobre

A terra toda com o disforme rabo.”

Pelo que foi possível apurar, o cometa em questão tinha mesmo uma cauda longuíssima. Mesmo sendo uma pessoa instruída e capaz de identificar a passagem do cometa como um fenômeno bem conhecido, na astronomia, Gonzaga admitiu sofrer os efeitos das superstições comuns de sua época e confessou o medo e as reações que teria tido, ao ver o astro e sua brilhante cauda. O poeta não disse a data de aparição tão incomum. Contudo, o astrônomo brasileiro Sanchez Doria registrou a passagem de um cometa, visível a olho nu, nos céus do Brasil, no ano de 1784, dentro do período da Inconfidência, entre outubro e dezembro. Em sua opinião, com certeza tratava-se do mesmo cometa que os habitantes de Vila Rica acompanharam, atravessando os céus, até que desaparecesse na constelação do Cruzeiro de Sul.

Coitada da população ignorante e assustadiça. Cometas eram considerados agourentos, desde a antiguidade. Ao vê-lo, Gonzaga relata os sentimentos funestos que o acometeram:

“Aflito, o coração no peito bate;

Eriça-se o cabelo, as pernas tremem.

O sangue se congela, e todo o corpo

Se cobre de suor. Tal foi o medo.”

Se um homem instruído como Gonzaga realmente se sentiu assim, imagine o temor das pessoas comuns, já carregadas de superstições das mais absurdas e tenebrosas. Segundo os astrônomos, é fato que certo cometa esteve visível, entre nós, durante alguns dias, a partir de outubro e novembro, mas não há estudos que comprovem sua identidade. Tomás Antônio Gonzaga escreve que ficou ainda mais apavorado, ao lembrar do significado do dia 1º de novembro, o suposto dia da aparição. Lembrem-se que, num poema, há uma certa liberdade em enganar a realidade. 

“(…)

Quando logo me lembro que este dia 

É o dia fatal, em que se entende

que andam, no mundo, soltos os diabos.”

Ou seja, se o povo de Vila Rica já tinha razões de sobra para medo, o dia da aparição deve ter deixado todo mundo realmente apavorado. Se assim foi, Gonzaga se referia, então, a uma crença pagã arraigada entre os católicos, de que este era o dia em que os mortos de toda a qualidade caminhavam pela Terra. Durante a Idade Média era popular a crença de que, nesse dia, as almas no purgatório podiam aparecer como fogo-fátuo, bruxa, sapo etc.. Nos países protestantes celebra-se o halloween, em que bruxos e demônios vagueiam, em meio aos vivos, querendo almas e eram apaziguados com coisas doces. 

Em Portugal, o costume (desde o século XV) era que as crianças menores de dez anos pedissem o “pão por Deus”, mas somente de manhã, até o meio dia. É que a Igreja Católica sempre tratou de eliminar uma tradição pagã com algum substituto cristão. O costume português ainda resiste em algumas poucas localidades, como “o dia do bolinho”, em que as crianças ganham bolos, broas, biscoitos, nozes e castanhas. É possível que tal costume tivesse sido praticado, no Brasil, mas que não vingou.

Voltando ao assunto, evidentemente, a identidade do cometa ainda provoca polêmica pela passagem de um outro, em 1788, mas que parece não ter sido visível. Seja qual for, segue sendo uma curiosa reminiscência de um curto período que antecedeu a malograda Inconfidência. Foi um aviso do haveria de acontecer? 

Pensando nisso, não duvido que muita gente deve ter se lembrado do cometa agourento, na derrocada final do movimento inconfidente de 1789. 

Tiradentes, coitado, que o diga.