Por Kátia Maria Nunes Campos

Com a recente decisão autoritária e unilateral da diretoria do Colégio Arquidiocesano em instalar um estacionamento privativo em frente à combalida e fragilíssima igreja do Bom Jesus, atingimos aquela massa crítica que todos os limites foram ultrapassados. A placa de “exclusividade” não merece respeito algum. Nem poderia haver placa ali, não é verdade, IPHAN?


Em primeiro lugar, não reconhecemos o espaço como propriedade do Colégio. Qualquer concessão que a municipalidade tenha feito, no passado, e que resultou em privilégios para o colégio, trata-se apenas disso: concessão efêmera, sem transferência legal e permanente de titularidade do espaço, cuja função no traçado da planta de Vila Rica é o de largo, como definido em literatura de morfologia urbana. Concessão, antiga ou recente, pode ser cassada e pronto. O assunto nada tem de religioso ou espiritual. Pelo contrário, queremos que a igreja, por direito, receba de volta seu adro histórico original (igualmente apropriado irregularmente) tal como era no passado.


Nenhuma cidade que se respeite doaria ruas, largos ou praças inteiras a instituições privadas, a seu bel prazer. E precisaria de lei autorizativa específica para isso. Segundo conceitos legais, o espaço se encaixa na tipificação de local de ostensivo e reconhecido domínio público, o que prevalece, apesar dos muros que lá existem. Não se trata de mera tolerância. O desvio da função social do antigo largo, atestado pela intenção de apropriação do espaço, é totalmente abusivo, absurdo e intolerável. O colégio jamais teve posse exclusiva para reivindicá-lo como seu e não existe usucapião em próprio estatal.
E mais. Se a população considera, usa e trata o espaço como de uso coletivo e historicamente ininterrupto, ainda que fosse propriedade privada, já teria se tornado legalmente de domínio público. Consultem qualquer jurista sobre o assunto. Nesse sentido, nós, vizinhança e demais moradores decidimos por reivindicar legalmente o retorno à sua função primordial de local de relevante função de sociabilidade, lazer e acesso à igreja e respectivo cemitério, além do acesso ao próprio colégio. Lugar de sentar, contemplar, meditar ou acompanhar as brincadeiras de filhos e netos brincando. Lugar de rezar e visitar o cemitério. Coisas da vida, nas Cabeças.


Em face da gravidade e relevância do tema, decidiu-se pela representação preliminar ao ministério público, fundamentada no ordenamento jurídico brasileiro e nos cuidados que, nós, ouropretanos, estamos sujeitos como guardiões do inigualável acervo artístico, cultural, paisagístico e histórico, como detentores do honroso título de cidade patrimônio reconhecido pela Unesco. Se as autoridades municipais ou o escritório local do IPHAN não vão ou não querem se alinhar a esse movimento, pouco importa. É direito difuso constitucional e basta um único cidadão para mover uma ação contra esse abuso.


Em que mundo uma obra tão formidável e de tamanha importância, como a portada do mestre seria apenas pano de fundo para um estacionamento de veículos, sujeita a danos por destrutivos gases de escapamento, vibrações e demais maus tratos? Então, obra do Aleijadinho agora é só detalhe?
Não nos restou outro caminho a não ser apelar para a justiça e instituições federais responsáveis por sua tutela como o ministério da cultura e IPHAN. Todos esses anos aguardando a restauração e reabertura do templo, chegado a um estado de quase ruína pelo descaso com que a Arquidiocese sempre tratou seus monumentos. Nenhum reparo de telhado, paredes, estrutura interna, altares foi feita por quem deveria, inclusive por força de lei, que obriga os proprietários a cuidar da manutenção de seus monumentos. Tudo sempre nas costas do contribuinte, que haverá de arcar com os altíssimos custos de reedificação de elementos podres, como o teto e telhado, altares devorados por cupins, enfim, nem um centavo da paróquia ou arquidiocese.


Agora querem o adro e mais um pedaço de propriedade municipal. Aí não, gavião. Esticaram demais a corda e isso foi a gota d’água.
Queremos o largo de volta e o colégio que crie seu estacionamento naquilo que lhe pertence e não é pouco.
Vai demorar o processo? Que seja. Quem viver verá.