Meu irrequieto e criativo amigo Alceu, espero que esta cartinha lhe encontre com muita saúde e ideias que, bem sei, nunca lhes faltaram. Olha só, véio, antes de o papo ficar reto, como deve sempre ser entre nós, eu lhe digo: em meio a um momento em que esperança se mistura com preocupação pelos rumos políticos que o Brasil está vivenciando, lembrei-me de uma ideia que nos contagiou tanto que viajamos bonito nela. Isso foi, “silvana mangano”, lá pelos idos de 1980. Num momento em que nos sentíamos carentes de ações que contemplassem nossos desejos de elevar a música e a cultura ao lugar com que sempre sonhamos, idealizamos convidar alguns outros nomes da música para que, juntos, nos candidatássemos a deputado federal ou algo assim. Caso nos elegêssemos, formaríamos uma bancada que capitanearia propostas não só para a área musical como também para a cultura. A ideia não foi à frente. Mas cá estamos nós, cada um a seu modo, fazendo a nossa parte.

Dito isso, trago à prosa o seu CD Senhora Estrada, que me foi enviado pela gravadora Deck. É o álbum final de uma trilogia solo de voz e violão, antecedido por Sem Pensar no Amanhã e Saudade. Segundo o release, “Senhora Estrada percorre suas referências primeiras, pavimentadas no agreste e no sertão nordestino. As onze faixas transitam entre o xote e o baião, a toada e o rojão, gêneros cultivados no solo mais fértil do Brasil profundo”. Com produção sua e de Rafael Ramos, mixado por você e pelo Matheus Gomes, ele que também gravou e masterizou o trabalho, você, Alceu está total ali. Sua voz e seu violão lá estão como um retrato perfeito do que você sempre foi e é: transparente, forte e dinâmico, um compositor, violonista e cantor de canções sem similares nem parecenças. E lhe digo mais, véio, suas interpretações contidas, emocionadas, são sensualidade pura, meu bróder. Ok, corrigindo: suas interpretações têm ainda mais sensualidade do que sempre tiveram… melhor assim, né? Mas vamos lá, o repertório é ouro em pó. Que delícia ouvir de novo “Cabelo no Pente”, parceria com Vicente Barreto. O que dizer das suas “Flor de Tangerina” e “Coração Bobo”? E a saudade que bateu ouvindo “Numa Sala de Reboco” (José Marcolino e Gonzagão)? Meu Deus… sucessos renovados com a naturalidade que o caracteriza, véio.

Mas houve um dia, o 30 de outubro, por volta das nove da noite, em que botei pra rodar, mais uma vez, “Pau de Arara” (Guio de Moraes e Gonzagão), faixa que abre Senhora Estrada: “Quando eu vim do sertão/ Seu moço, do meu Bodocó/ A maleta era um saco e o cadeado era um nó/ Só trazia a coragem e a cara/ Viajando num pau de arara/ Eu penei, mas aqui cheguei…” Àquela noite, os versos faziam todo o sentido. Chorei gloriosamente, amigo! As lágrimas vieram volumosas, lavando rosto e alma, renascendo esperança e fé.

Os próximos tempos não serão fáceis, companheiro, mas saberemos vivê-los para que floresçam enquanto persistirmos cantando. Abraço apertado, Alceu Valença!

Aquiles

Novembro de 2022