Ainda sob o impacto dos recentes episódios climáticos extremos no Brasil, recebi Voz da Taba (independente, com apoio Proac-SP), o novo álbum físico (também digital nas plataformas de música) da cantora macapaense Patrícia Bastos. Ao me ver diante de um libelo em defesa da Amazônia, me entusiasmei! Ouvindo o extravasar de amores à floresta, aos rios, às comunidades ribeirinhas, aos quilombos e aos povos originários, devaneei… é, de fato, o Brasil voltou! 

Dizer que me emocionei é pouco – o que ouvi despertou-me a gana de gritar contra a destruição da Amazônia, que vem sendo metodicamente degradada por ações criminosas de desmatadores, garimpeiros e invasores ilegais de territórios indígenas.

Ao entoar canções criadas especialmente para o disco (que teve uma concepção musical exemplar do criativo Dante Ozzetti como produtor e arranjador), Patrícia Bastos se transformou em exemplo a ser seguido. Cantando os poetas amazônicos, ela comprova que música e poesia são armas transformadoras.

Chego a elucubrar e ousar sugerir à ministra Marina Silva que, num próximo encontro internacional sobre clima e meio ambiente, leve consigo Patrícia Bastos e alguns dos poetas presentes em Voz da Taba – eles que expuseram em versos o desespero de quem nasceu e vive naquelas terras. Mas isso já é outro papo.

Com participações especiais das vozes de Caetano Veloso, Ná Ozzetti, Ana Maria Carvalho, Fabiana Cozza, Alzira E, Ronaldo Silva e do piano de Cristóvão Bastos, Patrícia canta com força descomunal. Sua voz, afinada e emotiva, amparada pelos arranjos de Dante, embute tal devoção que faz dela uma cidadã do mundo, a cantar pelo equilíbrio e pela preservação da natureza.

Com dicas de Dante Ozzetti, seguem as músicas que selecionei: cantada em duo por Patrícia e Caetano, “Jeito Tucuju”* (Val Milhomem e Joãozinho Gomes), com arranjo onde brilham cordas e percussão, é um marabaixo. Com linda melodia, “Cobra Sofia” (Dante Ozzetti e Joãozinho Gomes) é um retumbão. No zouk “Espartano” suingam sax (Fernando Sagawa), trompete (Estefane Santos) e trombone (Deivide Souza), enquanto no cacicó “Maninha do Céu” (ambas de Paulo Bastos) vem a brejeirice dançadeira de Patrícia. O boi do Pará “Bailarina da Água Doce” (Ronaldo Silva) tem o baixo (Fi Maróstica) num efeito que ecoa como um lamento, sob a voz do autor a declamar os versos. Em “Voz da Taba” (Enrico Di Micelli e Salgado Maranhão), lundu indígena que titula o CD, Patrícia canta como um uirapuru-verdadeiro. Já “Yárica” (Cristóvão Bastos e Joãozinho Gomes), feita em homenagem à voz de Patrícia, soa bonito apenas com ela, piano e baixo acústico (Zeca Assumpção).

Finalizo com alguns versos de Joãozinho Gomes em “Jeito Tucuju”: “Quem nunca viu o Amazonas/ Jamais irá compreender a crença de um povo/ Sua ciência caseira/ A reza das benzedeiras, o dom milagroso”.

Para o mundo saber da Amazônia, só vindo aqui para sentir e crer.  

Aquiles Rique Reis

Nossos protetores nunca desistem de nós.

*Jeito Tucuju