Por Carlos Versiani dos Anjos

O número dos poetas que viveram em Vila Rica e Minas Gerais na segunda metade do século XVIII ultrapassa em muito o número daqueles já bem conhecidos pela história da literatura brasileira, como Cláudio Manuel da Costa, Tomás Antônio Gonzaga e Alvarenga Peixoto. Para comprovar isso, existem muitos indícios, revelados por diferentes fontes e documentos. Vez por outra deparamos com alguns registros. Trazemos aqui um exemplo, colhido na Revista do Arquivo Público Mineiro, em publicação de 1909.


Trata-se do poeta Padre Domingos Simões da Cunha. Nascido em Paracatu no ano de 1755, ordenou-se padre na capitania de Pernambuco, já que em Minas Gerais seria mais rígida a proibição quanto à ordenação de pardos. Transferiu-se para Vila Rica por volta de 1779, falecendo no ano de 1824. Sua linguagem coloquial, simples, direta, sem referências eruditas, tratando de temas cotidianos da sociedade, mas sem cair no vulgar e na estética pobre, denota todo seu valor e singularidade. Num dos raros poemas já publicados, intitulado “O que chamam branquidade”, discute o preconceito de cor com uma consciência crítica extremamente avançada para a época, em meio a uma sociedade escravista, na qual o racismo independia de qualquer justificativa ou impedimento jurídico e moral para existir.

“Onde está o ser branco, então?
Não busque no exterior,
Que o acidente da cor
Não é que dá distinção:
Entra no seu coração;
Vê se tem uma alma nobre,
Genio ilustre, ainda que pobre,
Ações de homem de bem;
Se nada disto ele tem
É negro, – por mais que obre.”

Neste poema, Domingos Simões da Cunha expõe escancaradamente a ordem estamental do sistema escravista colonial, revelando criticamente que o “ser branco” na verdade teria socialmente o mesmo sentido que “ser bom”, como um adjetivo para designar “homens de bem”. Infelizmente, talvez nunca venhamos a conhecer outros versos além destes, de Domingos Simões da Cunha. Conforme depoimento do Padre Manoel Xavier do Valle, o poeta teria enviado as suas poesias para o amigo e conterrâneo Francisco de Mello Franco, então residente no Rio de Janeiro, para que intermediasse sua publicação. Mas como Mello Franco demorasse muito para atendê-lo, pediu as suas poesias de volta, e as queimou.

¹ Revista do Arquivo Público Mineiro, vol. XIV, 1909, p. 407-414