Medo permanente, aumento dos casos de prostituição, crescimento do uso de drogas e falta de perspectiva sobre o futuro. Esses são alguns dramas citados por estudantes, professores e moradores da localidade de Antônio Pereira, distrito de Ouro Preto (Região Central do Estado), em consequência do permanente risco de rompimento da barragem do Doutor, que está sendo desativada, mas ainda contém 38 milhões de toneladas de resíduo.
Os relatos foram apresentados em visitas realizadas, nesta sexta-feira (18/11/22), pela Comissão de Educação, Ciência e Tecnologia da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) a duas escolas do distrito.
Os depoimentos chocaram a presidenta da comissão, deputada Beatriz Cerqueira (PT), que se comprometeu a cobrar providências da mineradora Vale, responsável pelo empreendimento, e do Governo do Estado. “A realidade aqui é bruta. Precisamos pressionar o poder público”, afirmou.
Na Escola Estadual Antônio Pereira, única instituição pública que oferece ensino médio na comunidade, alunos reclamaram do abandono da instituição tanto pelo governo estadual quanto pela mineradora, que é responsável por obras na escola, como forma de compensação de sua atividade.
Um exemplo foi um projeto financiado pela Vale para o treino de vôlei para os alunos. A empresa construiu uma quadra, mas não a cobriu, dificultando a prática do esporte.
A escola funciona com infraestrutura precária, pois a reforma que também precisa ser paga pela mineradora está suspensa. De acordo com a diretora em exercício, Aline Cardoso, as obras foram paralisadas durante o fechamento da escola na pandemia de Covid-19 e não puderam ainda ser concluídas porque expirou o prazo do termo de ajustamento assinado pela empresa e o Ministério Público.
Ela disse ainda que a mineradora deve retomar os trabalhos, mas não soube precisar quando pode ocorrer.
Insegurança gera transtornos mentais
A estudante Joyce Marques lamentou a insegurança que o risco do rompimento da barragem gera da população de Antônio Pereira. Algumas famílias já foram retiradas da área definida pela Vale como de risco, mas outras vizinhas a essas permanecem no lugar. E muitas ainda não foram realocadas em novas moradias.
O aluno Lohan Paiva Fonseca afirmou que essa situação tem aumentado os casos de transtornos mentais, inclusive entre os estudantes da escola. Ele explicou que o posto de saúde é longe da instituição e que o trânsito caótico dificulta ainda mais o atendimento de alguém em caso de emergência. O adolescente sugeriu que a escola tenha um psicólogo para acompanhar e dar suporte aos estudantes.
Os casos de depressão, estresse e ansiedade aumentaram na escola e também em toda a comunidade, segundo a professora Marina Barcelos. Ela também destacou o aumento da prostituição e do uso de drogas como consequência da atividade minerária no local, com o aumento de tráfego de pessoas estranhas e que passam temporariamente pelo distrito, além da falta de motivação de perspectiva pelos moradores.
As pessoas que se manifestaram também reclamaram do trânsito caótico em função do excesso de carros e caminhões das empreiteiras que prestam serviço para a mineradora. O tráfego de cargas pesadas provoca, ainda, rachaduras em algumas casas.
A mina localizada em Antônio Pereira é uma das maiores da Vale, mas os recursos, segundo representantes da comunidade, são direcionados para a sede Ouro Preto, e pouco aplicado no local. Ruas sem asfalto, falta de iluminação pública e uma única estrada estreita que liga a Mariana – cidade mais próxima dali – completam a precária infraestrutura do distrito.
Sirene da Morte
Além de confirmarem as queixas ouvidas na primeira visita, moradores de Antônio Pereira e professores da Escola Estadual Daura de Carvalho Neto reclamaram muito do sinal sonoro que a mineradora toca todo primeiro sábado do mês, como teste para um provável rompimento.
A sirene é acompanhada de uma música fúnebre que aciona gatilhos nada agradáveis como o medo da morte e a lembrança das tragédias anteriores em barragens da mineradora. “Qual a necessidade de tocar uma música tão inadequada?”, indaga a professora Dalva Nunes.
Ela diz que o som deprimente gera pânico em algumas pessoas e desperta nela, a imagem de pessoas correndo para tentar se salvar. A escola, de ensino fundamental, tem 540 alunos e fica a aproximadamente 500 metros de distância da barragem.
Embora a Vale assegure que a escola esteja fora da zona de risco de ser atingida em um eventual rompimento, pais, alunos e professores não se sentem tão confiantes. Numa ruptura, os rejeitos levariam apenas segundos para atingir a instituição, se as previsões estiverem erradas, segundo o professor e pesquisador da Universidade Federal de Minas Gerais, Daniel Neri, que acompanhou a visita.
Segundo o estudioso, a barragem de Doutor é três vezes maior que a de Córrego do Feijão, que se rompeu em janeiro de 2019, em Brumadinho, matando 272 pessoas.
Em sua opinião, a melhor solução seria “desidratar” a estrutura, retirando toda a água de seu interior para solidificar o rejeito e manter o controle permanente da barragem para assegurar essa condição. O que a empresa tem feito é apenas não colocar mais rejeitos e descaracterizar o local, plantando gramas.
A estrutura, conta Daniel Neri, era inicialmente bem menor, mas ao longo do tempo foi sendo levantada e já atinge 80 metros.
Moradores pedem paz
A colocação de uma placa de “ponto de encontro” em frente a Escola Daura é outro símbolo que também gera ansiedade para quem trabalha, estuda ou passa pelo local. “Só se for encontro pra morrermos juntos”, desabafa Dalva Nunes que teme a impossibilidade de salvamento das crianças e dos profissionais em caso de algum rompimento.
As professoras também reclamaram que não tem iluminação ao redor da escola, fato que pode dificultar mais ainda se o tragédia ocorrer à noite. “Não queremos indenização, não queremos dinheiro. Queremos apenas paz e segurança”, sintetiza Dalva.
“A Vale fica com a riqueza e controla a sociedade.”
Beatriz Cerqueira
Dep. Beatriz Cerqueira
Ensino integral
Outra reclamação dos alunos da escola de ensino médio foi em relação ao regime integral. Segundo eles, a carga horária é muito estressante e o currículo ofertado os deixa em desvantagem com relação aos estudantes que fazem o curso regular em um único turno.
Eles não têm acesso a conhecimentos técnicos e não têm tempo para recorrer a cursos que poderiam prepará-los para o mercado de trabalho.
“O currículo não acolhe, pelo contrário, exclui o estudante”, considerou a presidenta da comissão, que ouviu reclamações semelhantes de estudantes de outras escolas visitadas.
Fonte: Assessoria ALMG
Foto: Clarissa Barçante