Foi realizada na quarta-feira,23, na Câmara de Ouro Preto, a 3ª Audiência Pública de 2022. Em pauta, o transporte coletivo público municipal, o reajuste no preço do transporte coletivo de passageiros anunciado recentemente e a proposta do governo municipal de proporcionar subsídio à concessionária Rota Real para amortizar o preço final das passagens de ônibus a ser paga pelos usuários.
Em 22 de março, a Prefeitura de Ouro Preto publicou no Diário Oficial o Decreto N° 6.438, que trata do reajuste das tarifas do serviço público de transporte coletivo de passageiros. Conforme divulgado, trata-se de uma “obrigação contratual referente ao reajuste anual calculada por uma fórmula paramétrica, que engloba a alteração no preço do combustível, índices oficiais tais como o IGP-DI e de INCP”. A atual gestão também enviou para a Câmara um Projeto de Lei que propõe subsídio financeiro parcial das tarifas pagas pelos usuários. Se aprovado, os valores que são cobrados atualmente não serão alterados. Mas, para isso, o Município precisa pagar para a concessionária “cerca de 5 milhões de reais em 2022 a fim de garantir a manutenção dos valores no transporte público da cidade, para que o usuário continue pagando o valor atual”, conforme noticiado no site oficial da PMOP.
A Audiência Pública do dia 23 ocorreu em atendimento ao requerimento dos vereadores Wanderlei Kuruzu, Celsinho Maia e Luiz Gonzaga do Morro, sendo este último o presidente da Casa, que abriu os debates destacando a necessidade de uma discussão apurada sobre o tema em razão das inúmeras reclamações recebidas. A reunião foi conduzida pelo vereador Wanderley Kuruzu, que integra a Comissão de Transportes, e contou ainda com a presença dos vereadores Celsinho Maia (MDB), Luiz Gonzaga do Morro (PL), Vantuir (PSDB), Júlio Gori (PSC), Lilian França (PDT), Matheus Pacheco (PV), Luciano Barbosa (MDB) e Alex Brito (Cidadania). Representando o poder executivo municipal, o superintendente da Ourotran, Jorge Kassis, o secretário de Defesa Civil, Juscelino Gonçalves, que é também presidente do Conselho Municipal de Transporte e Trânsito, e o procurador-geral do município, Diogo Ribeiro dos Santos.
Já o Consórcio Rota Real foi representado por seu gerente de relações institucionais, Guilherme Shulz. Este iniciou os trabalhos fazendo uma explanação do histórico dos estudos técnicos, tratativas e das questões judicias relacionadas ao edital que resultou na contratação da empresa pelo município. Shulz também descreveu detalhes sobre a natureza do contrato de concessão firmado em 2020, e justificou alguns problemas gerados tanto pela pandemia como também pelo acidente no Morro da Forca que interditou a Praça da Estação, dificultando a mobilidade urbana.
Sobre o aumento do preço das tarifas e a tabela publicada em Diário Oficial, o procurador Diogo Ribeiro esclareceu que é uma imposição do contrato que já deveria ter ocorrido, mas em diálogo com a empresa e, “como estávamos em meio à Onda Roxa”, foi possível adiá-lo. Porém, por imposição legal, o novo reajuste agora terá de ser aplicado e a solução encontrada para que os usuários não sejam onerados seria o pagamento de um subsídio de R$ 5 milhões referente à 2022. O Município teria de pagar também R$ 1,5 milhão retroativo referente ao reajuste anual não aplicado no ano passado.
Além do PL encaminhado pela Prefeitura e a qualidade dos serviços do transporte público ofertado aos moradores dos distritos, que tem gerado muitas reclamações, outro ponto bastante polêmico da audiência foi a situação dos motoristas de taxi-lotação, que atendem o mesmo percurso das linhas de ônibus. Eles também querem receber subsídio pois, segundo o representante dos taxistas, “não é possível deixar o taxi com preço antigo e a concessionária com preço novo e ainda subsidiada”.
Na Audiência na Câmara, o presidente da Federação das Associações de Moradores de Ouro Preto – FAMOP, Luiz Carlos Teixeira, apresentou alguns questionamentos sob a ótica daqueles que fazem uso do transporte público, como ele mesmo colocou. Ele destacou, “em defesa do óbvio”, que “transporte público é direito constitucional”, e questionou a utilização de termos como “pagantes” e “consumidor” nos discursos durante a reunião. Segundo Luiz, “o problema do transporte público é histórico em Ouro Preto”, lembrando que, no passado, já era sabido que “o sistema entraria em colapso”.
Nesta quinta-feira, 24, a FAMOP encaminhou ao Diário de Ouro Preto uma nota oficial com uma avaliação do debate realizado em 23/03/2022, na Câmara Municipal.
NOTA DA FAMOP
“A audiência pública foi necessária, mas não suficiente; a maioria dos vereadores, o poder executivo e os empreendedores, incluindo os taxistas, têm uma perspectiva econômica do sistema de transporte coletivo que visa garantir da sustentabilidade do negócio. Acontece que não se trata apenas de um negócio; como cidadão e usuário do sistema, defendo o óbvio: o transporte público é um serviço público, ou seja, uma atividade-fim dos governos, um direito constitucional que deve ser garantido pelo Estado. Ocorre que em Ouro Preto – desde longa data – centenas de usuários são colocados à margem deste sistema; citei na audiência, principalmente, os usuários dos distritos e localidades municipais; mas o colapso do sistema é sentido também nos bairros da sede, sobretudo, nas comunidades periféricas, nos bolsões de vulnerabilidade social. O fator mais importante é a tarifa do transporte público, o preço da passagem; os recentes aumentos e o subsídio oferecido pelo executivo para cobrir o déficit do negócio – recurso que será retirado do erário municipal e que poderia ser investido em outras atividades-fim – demonstram a falência do modelo. Penso que a razão é conceitual: o sistema de transporte municipal tem que ser pensado na perspectiva do usuário; e quem são os usuários típicos: os trabalhadores e trabalhadoras, assalariados, pensionistas, aposentados, estudantes, velhos e crianças, o cidadão-comum que depende diretamente do coletivo e não tem outra alternativa de locomoção e de mobilidade urbana. São estas pessoas que sustentam o negócio do empresário e que serão subsidiadas pelos cofres públicos, daqui em diante. O sistema de transporte público municipal entrou em colapso por esta razão: o trabalhador não tem condições de pagar esta conta, nem mesmo sua parte na matemática do subsídio; a equação da sobrevivência demonstra que a vida ficou insustentável para quem recebe o salário comercial. O negócio vai quebrar porque em breve não teremos usuários do sistema privado; o sistema entrou em decadência porque nenhuma política pública deve menosprezar uma realidade concreta, qual seja, a condição material dos trabalhadores. Sendo assim, o subsídio oferecido pelo poder público é uma solução paliativa, transitiva e transitória; qualquer aumento do óleo diesel, mínimo que seja, vai afetar a vida econômica do Município. Pela mesma razão, é preciso pensar seriamente o sistema de mobilidade urbana e suas alternativas; uma delas é quebrar o monopólio do transporte coletivo, diversificando os modais, instalando um sistema híbrido público-privado, universalizando e democratizando a atividade-fim que é um direito civil e constitucional. A audiência pública não foi suficiente porque este debate vai longe, muito longe.”
Federação das Associações de Moradores de Ouro Preto – FAMOP
Victor Stutz, para o Diário de Ouro Preto