A entrevistada desta semana do “Em Discussão” é a reitora da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), Cláudia Aparecida Marliére de Lima, que faz um balanço destes quase dois anos de pandemia e das perdas e conquistas para a Universidade nesse cenário.
A reitora traça ainda uma perspectiva para este ano de 2022 que se inicia. Para ela, um ano de muita luta, mas que, com muita força e união e com a crença de que podemos mudá-lo e ter esperança, pode ser vencido.
Estamos completando um ano e dez meses de pandemia e de interrupção das atividades acadêmicas presenciais da Universidade. Que avaliação podemos fazer ao comparar aquele momento de insegurança, de interrupção, e este, em que estamos perto do retorno planejado?
Em 19 de março de 2020, o Cuni tomou a decisão acertada de suspender as atividades acadêmicas presenciais devido à pandemia de Sars-CoV-2, que estava causando óbitos na população. Muito pouco se sabia sobre a doença, além de não ter nenhum medicamento ou vacina que pudesse proteger a vida. Hoje, com o retorno presencial previsto para 15 de março de 2022, ainda paira a insegurança e ainda existe uma alta transmissibilidade pela variante Ômicron. Porém, já existe vacina disponível, além dos protocolos sanitários que nos ajudam a conter o aumento dos casos. Não se pode falar em segurança de 100% quando se trata de vírus, principalmente quando existe resistência de parte da população em tomar a vacina. Desta forma, o controle fica dificultado em função de novas variantes que possam surgir. Com a exigência do passaporte vacinal, podemos ter um maior controle da propagação da doença e, com isso, garantir a proteção de forma mais segura.
A gestão da Universidade teve uma alteração substancial, com a substituição do Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão por outros três órgãos: os Conselhos Superiores de Graduação (Congrad), de Pesquisa e Pós-Graduação (Conpep) e de Extensão e Cultura (Conec). Como essa mudança tem favorecido as discussões e definições acadêmicas?
O novo organograma da UFOP, com a criação desses conselhos, foi aprovado como resultado de um trabalho hercúleo realizado pela Estatuinte. Acreditamos que isso permite um aprofundamento maior das questões acadêmicas nesses conselhos, por terem maior representatividade da comunidade, e com isso é possível garantir que as decisões sejam tomadas de forma mais transparente, democrática e compromissada com uma UFOP para todos e todas. Estamos passando por dificuldades que são normais quando se implanta um novo estatuto e regimento, é natural, mas essas dificuldades estão sendo superadas. É uma proposta nova que é testada a todo momento.
Mesmo com a pandemia atingindo o mundo inteiro e afetando instituições de ensino de todos os países, a UFOP realizou diversos convênios internacionais nos últimos meses. Como tem sido essa interlocução internacional?
A interlocução tem avançado mesmo na pandemia com trabalho da Diretoria de Relações Internacionais (DRI). Fechamos sete novos acordos, sendo três com novos países parceiros: Canadá, Irã e China, além de termos renovado acordos que haviam expirado. Devido à pandemia, a maior parte dos editais de mobilidade internacional foram suspensos, e uma das alternativas adotadas foi a oferta de cursos de extensão oferecidos por meio do Programa de Mobilidade Virtual Internacional da Andifes – “Destino Brasil” e cursos remotos de idiomas estrangeiros — foram quatro idiomas, com mais de cem pessoas atendidas. Vários alunos da UFOP também realizaram mobilidade virtual em instituições parceiras. Além disso, participamos da competição de bioeconomia “Biobased Battle” e o acolhimento ao público estrangeiro da UFOP continuou, mesmo que com as limitações de um acompanhamento remoto.
Uma das demandas recorrentes na UFOP era a melhoria nos processos relacionados à carreira dos servidores. Por isso, foi implantada a Pró-Reitoria de Gestão de Pessoas (Progep). Qual balanço podemos fazer dessa mudança de foco na área?
A implantação da Progep permitiu o enfoque do setor em um só lugar, e isso trouxe muitas melhorias do ponto de vista das políticas de gestão de pessoas e da organização técnica e operacional do setor. Hoje, todos os processos da Progep são abertos e tramitados pelo Sistema Eletrônico de Informações (SEI), e não mais em suporte físico (papel). Isso gera economia, preservação ambiental e agilidade na comunicação interna da Instituição. Nessa transição, vários procedimentos foram revistos e otimizados, de forma que hoje o solicitante tem respostas mais rápidas. A página eletrônica da Progep foi estruturada e tem sido constantemente atualizada pela equipe para que os servidores tenham mais facilidade de acesso às informações e procedimentos relativos às carreiras. Tivemos oportunidade de estabelecer, ampliar e remodelar as políticas de gestão de pessoas, como o Auxílio à Qualificação, uma bolsa que o servidor estudante pode receber quando atende a determinados requisitos. O procedimento de colaboração técnica esporádica por professores em regime de dedicação exclusiva da UFOP foi estruturado, o que confere mais segurança para esses servidores e para a própria Instituição. Conseguimos implementar uma política de trabalho exclusivamente remoto para as servidoras gestantes durante a pandemia, mesmo antes da orientação nacional para esse benefício. Em parceria com outros setores da UFOP, a Progep participou da condução de pesquisas de monitoramento de saúde física, mental e emocional durante a pandemia. Foram realizados dois ciclos de debate sobre a implementação do trabalho remoto na UFOP, que está em estudo pela Progep. A Pró-Reitoria, por meio da Coordenadoria de Desenvolvimento de Pessoal, organizou diversas ações de capacitação, entre elas a ação de formação de docentes para a utilização do Moodle, que vem viabilizando os períodos letivos remotos, e a capacitação para atuação dos servidores em comissões de processos administrativos disciplinares. Outras ações foram viabilizadas por meio da Escola Nacional de Administração Pública ou empresas especializadas contratadas. Desde a sua implantação, a Progep viabilizou, por meio da Coordenadoria de Provimento e Movimentação de Pessoal, o ingresso de 75 servidores na Instituição, 23 técnico-administrativos em educação e 52 docentes, com todos os desafios do momento pandêmico. Foram 93 professores substitutos e 8 professores visitantes contratados no mesmo período, enriquecendo o quadro e viabilizando a continuidade do ensino de alta qualidade oferecido pela UFOP. Para isso, a equipe venceu o desafio de adaptar procedimentos, como a posse e a seleção de professores substitutos, para o modelo remoto. A Coordenadoria de Saúde Ocupacional vem assumindo uma atuação muito destacada e importante no combate à pandemia, além do bom desempenho de suas tarefas de rotina. As Coordenadorias de Pagamento e Benefício e Registro e Cadastro estão enfrentando diversos desafios na migração para os novos sistemas do Ministério da Economia e na prestação de informações aos órgãos de controle, que a UFOP vem buscando cumprir. Todas essas realizações, desde a melhora na qualidade da prestação das tarefas de rotina, da comunicação com a comunidade universitária, da realização dos novos projetos, foram possíveis porque agora temos uma Pró-Reitoria dedicada exclusivamente à gestão de pessoas.
A UFOP é reconhecida nacionalmente por sua política de assistência estudantil. Como a Reitoria avalia os impactos dos cortes de recursos nos últimos anos e quais as perspectivas para essas políticas?
Este reconhecimento é um orgulho para nossa UFOP. Tivemos muitas dificuldades nesta área em 2021. Na perspectiva do impacto dos cortes, criamos auxílios emergenciais que acabaram não sendo pagos integralmente em 2021 por insuficiência do orçamento — o auxílio emergencial de alimentação foi pago até maio e o auxílio inclusão digital até agosto. Para 2022, o retorno do Restaurante Universitário (RU) é o maior desafio. Além da questão epidemiológica, com o aumento do número de casos da variante Ômicron, a alta nos valores dos alimentos e do contrato para a produção das refeições não foi considerada no orçamento do governo, o que gera transtornos para a gestão e a comunidade usuária dos RUs. Além da queda do poder de compra dos alunos, temos visto também um aumento da vulnerabilidade familiar e do desemprego. Em 2022, teremos grandes desafios na política de assistência estudantil para garantir que os alunos permaneçam na UFOP. O RU terá que voltar com seu funcionamento para garantir a permanência dos alunos e nós vamos criar vários cenários para viabilizar essa reabertura.
As relações institucionais da UFOP com empresas privadas são reconhecidas como de grande sucesso. Quais parcerias foram determinantes no último ano e quais as novas frentes de atuação nesse sentido?
As relações da UFOP com instituições públicas e privadas parceiras apoiadoras dos projetos de ensino, pesquisa, extensão e inovação são mediadas e geridas pela atual Coordenadoria de Convênios (Cecon) da Universidade, a antiga Gerência de Contratos e Convênios (Gecon). Com a iniciativa de criação e formação da capacidade administrativa e estratégica do setor de convênios, a UFOP tem elevado o estímulo à exploração dos recursos financeiros e não financeiros externos para financiamento de seus importantes projetos, por meio da celebração de contratos, convênios e parcerias com as entidades externas interessadas. Como resultados importantes dessas iniciativas junto à Cecon, citamos alguns exemplos de parcerias celebradas em 2021: – R$ 2,3 milhões em investimento para a criação da Unidade da Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii) Escola de Minas UFOP; – R$ 40,1 milhões financiados pela Fundação Renova, em parceria com a UFOP e a UFMG, destinados ao programa de extensão “Formação continuada de educadores da rede pública dos municípios atingidos pelo rompimento da Barragem de Fundão em Minas Gerais – Escola da Bacia do Rio Doce – Pebrid”; – Cerca de R$ 581 mil aportados pelo Ministério Público do Trabalho em 12 projetos da UFOP dedicados à pesquisa e extensão no combate à covid-19; – R$ 101,5 mil também aportados pelo Ministério Público do Trabalho no projeto “Vacinologia racional no rastreamento e identificação de potenciais epítopos de células B e T: construção de protótipos vacinais e avaliação de imunogenicidade e memória contra a covid-19”; – Cerca de R$ 144 mil, igualmente oriundos do Ministério Público do Trabalho, no projeto “Detecção de padrões covid-19 em imagens de raio-X e tomografia computadorizada”; Ainda do Ministério Público do Trabalho, recebemos R$ 120,8 mil para o projeto “Melhoria da infraestrutura do laboratório multiusuário para o diagnóstico molecular e sorológico da covid-19”; R$ 25,9 mil para o projeto “Tecnologia contra a covid-19: desenvolvimento e confecção de equipamentos de proteção individual (EPIs) para profissionais da saúde, respiradores, ventiladores e peças de reposição para equipamentos médicos”; assim como mais R$ 61,5 mil para o projeto “Desenvolvimento de sensor de baixo custo para monitorar concentração de Co2 em ventilador pulmonar único usado em mais de um paciente”. Tivemos também cerca de R$ 365,5 mil oriundos de Emenda Parlamentar para o projeto “Antes prevenir que remediar: rastreio do câncer do colo do útero em mulheres privadas de liberdade”. Também por meio de Emenda Parlamentar, tivemos mais R$ R$ 220,9 mil aportados para o projeto “Observatório do avanço de doenças infecciosas emergentes e doenças tropicais negligenciadas sobre comunidades indígenas de MG: o papel do laboratório de Ecologia do Adoecimento e Florestas”. O Ministério da Cidadania também destinou cerca de R$ 78,7 mil para o projeto “Avaliação da influência do Programa Bolsa Atleta sobre o desempenho escolar dos bolsistas do Programa”. Parcerias com outras empresas privadas, Prefeitura de Ouro Preto e entidades permitiram à UFOP aplicar cerca de R$ 5,3 milhões em projetos diversos. Vamos, ainda, assinar em breve um convênio com a Prefeitura para utilização do espaço que foi a antiga fábrica de tecidos para criar um Parque Tecnológico onde poderão ser desenvolvidos projetos de inovação e incubadoras de projetos que darão mais visibilidade e poderão trazer mais recursos para a UFOP.
Muito se fala sobre nos prepararmos para um “novo normal”. Qual a expectativa para as mudanças que devem ser integradas às novas rotinas institucionais?
Esse “novo normal” talvez não seja o termo mais qualificado para definir este período. Estamos nos deparando com um aumento no número de casos da variante Ômicron, provavelmente devido às festas de final de ano, o que demonstra que boa parte da população não está respeitando o protocolo sanitário, ou seja, evitando aglomerações, realizando higiene adequada das mãos e usando a máscara. É uma variante com alta transmissibilidade. De qualquer forma, isso sobrecarrega o sistema de saúde e pode implicar no aparecimento de outras variantes que podem não responder à vacina. Como consequência, é possível que haja uma outra fase de grande adoecimento e morte. Dentro da Universidade teremos que cumprir exatamente o que é recomendado pelo Comitê de Enfrentamento à Covid-19, pois só assim conseguiremos ter mais controle da disseminação da doença. Neste momento, o retorno presencial está em xeque devido ao aumento do número de casos. A possibilidade do retorno no dia 15 de março reforça ainda mais a exigência do passaporte vacinal pela UFOP do passaporte vacinal. Na vida em sociedade, o direito individual termina onde começa o direito da coletividade. Portanto, a vacina tem que ser obrigatória para todos e todas, pois, só assim, podemos ter maior controle da Sars-CoV-2.
Em linhas gerais, quais as perspectivas para este ano que se inicia?
Merecemos um ano mais leve, com certeza! As perspectivas em um ano eleitoral são complexas de avaliar, tanto do lado positivo quanto do negativo. A realidade da educação e da ciência brasileira é crítica e precisamos de gestores públicos mais sensíveis e comprometidos com essas causas, como forma de responder socialmente, economicamente e ambientalmente mais rápido aos desafios que estamos enfrentando no dia a dia. Aumentou a pobreza, o desemprego continua alto e as desigualdades sociais alargam as diferenças, portanto, será um ano de muita luta, mas venceremos com muita união e força. Acreditar que é possível mudar, ou seja, ter esperança, é o que nos transportará para um futuro melhor! Que assim seja.
EM DISCUSSÃO – Esta seção é ocupada por uma entrevista, no formato pingue-pongue, realizada com um integrante da comunidade ufopiana. O espaço tem a função de divulgar as temáticas em pauta no universo acadêmico e trazer o ponto de vista de especialistas sobre assuntos relevantes para a sociedade.
Por Assessoria de Comunicação da Ufop