Victor Stutz, para o Diário de Ouro Preto
A cidade de Ouro Preto vai ser contemplada com um magnifico presente neste mês de abril. Trata-se da estreia da Ópera “ALEIJADINHO, o Mestre do Barroco Mineiro”, um espetáculo que homenageia Antônio Francisco Lisboa, o patrono das Artes Nacionais. O evento acontece no dia 29/04, às 20 horas, no adro da Igreja de São Francisco de Assis.
A ousada produção, que leva a assinatura da Fundação Clóvis Salgado, promete ser grandiosa, pois além de envolver a Orquestra Sinfônica de Minas Gerais, o Coral Lírico de Minas Gerais e a Companhia de Dança Palácio das Artes, conseguiu reunir um time competente de profissionais das mais diversas áreas artísticas.
O espetáculo, acima de tudo, é o resultado da união de esforços não apenas de um ou dois, mas de três notórios maestros brasileiros: Ernani Aguiar e André Cardoso na criação, e Silvio Viegas na direção musical e regência.
Para saber mais das raízes dessa história, o Diário de Ouro Preto conversou com o maestro Ernani Aguiar, um dos pilares do processo criativo de “ALEIJADINHO, o Mestre do Barroco Mineiro”. Nascido em Ouro Preto, em agosto de 1950, Ernani é hoje um dos mais conceituados nomes da música erudita. Cidadão Benemérito do Estado do Rio de Janeiro, fundou o Coral Municipal de Petrópolis, recebeu inúmeros prêmios, dentre eles, a medalha Carlos Gomes e o Prêmio Sharp de Música. Ele também ocupa a cadeira de número 4 da Academia Brasileira de Música, cujo patrono é Lobo de Mesquita.
DIÁRIO DE OURO PRETO – Sobre Minas e Ouro Preto, como se deu essa sua história com a nossa “terrinha”?
ERNANI – A família de meu pai, Aguiar, está em Minas há mais de 300 anos. Temos o nome do primeiro de nós que veio parar aqui, mas a gente não sabe ao certo se ele era português ou paulista. Meu pai morou em Minas até mudar para Petrópolis, onde se casou com minha mãe, que é de família de origem hebraica Sefardita (termo usado para referir os descendentes de judeus originários de Portugal e Espanha). Não cheguei a morar em Ouro Preto, mas sempre frequentei bastante a cidade, especialmente durante a mocidade, nos carnavais. Mas eu fixei a minha ligação total com Ouro Preto a partir dos Festivais de Inverno, quando vinha para estudar música.
DIÁRIO DE OURO PRETO – Como nasceu a ideia de criar e produzir um espetáculo sobre a vida e a obra de Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho?
ERNANI – Isto foi uma ideia minha, junto com o maestro André Cardoso. Começamos a fazer por amor e a coisa foi crescendo. O maestro André, que escreve muito bem, fez o libreto, e eu fiz a música em cima. Sobre o processo de criação, eu não sei explicar como eu componho, mas como acredito em Deus, creio que toda inspiração vem mesmo do Divino Espírito Santo, ao encontro da técnica do compositor. Mas, se tiver só inspiração e não tiver técnica, não sai nada. O Aleijadinho sempre foi uma figura que eu e o maestro André temos uma verdadeira veneração, e por isso surgiu essa ideia. Depois o maestro Viegas também ficou empolgado, e outros ficaram empolgados também.
DIÁRIO DE OURO PRETO – Vocês trabalharam durante a pandemia? Como foi isso?
ERNANI – Durante a pandemia os trabalhos aconteceram basicamente pelo telefone. O maestro André tinha o libreto preparado e ficamos, então, trabalhando em cima disso. Quanto à produção, eu não sei nada, não entendo nada, vou chegar lá e vai ser uma surpresa pra mim. Até com a música é assim, a gente só sabe como é a música quando ela é tocada. Estou aqui aguardando, porque eu não tenho a mínima ideia de como vai acontecer.
DIÁRIO DE OURO PRETO – Como acha que vai ser, assistir sua obra interpretada e encenada tendo a Igreja de São Francisco de Assis de Ouro Preto como cenário?
ERNANI – Dá medo. Será que eu sou digno de teu cenário, o frontal da Igreja de São Francisco, aquela que Drumond disse ‘não entrarei, Senhor, no seu templo. Seu frontispício me basta’? Meu caro, isso para um compositor…
Em nossa agradável prosa com o maestro Ernani Aguiar, ele revelou grande preocupação com a preservação e o futuro do patrimônio cultural nacional, em especial, com as nossas relíquias do Período Barroco: “Desde os dezessete anos isso me preocupa, em especial, es esculturas dos Profetas”, disse o maestro, fazendo referência ao conjunto do adro do Santuário do Bom Jesus de Matosinhos, em Congonhas, MG, composto por doze esculturas esculpidas entre 1800 a 1805 e atribuídas ao Aleijadinho.
Ernani justificou seu receio mencionando o livro “Morte da Memória Nacional”, que trata da destruição dos bens culturais brasileiros: “Quando estudei em Florença (capital da região Toscana, na Itália, que abriga muitas obras de arte e arquitetura renascentistas), que é a cidade mãe das Artes, todas as estátuas importantes, como as de Michelangelo e de outros grandes escultores, foram retiradas das praças e substituídas por réplicas. As originais ficam guardadas em museus, protegidas do tempo e de tudo. E aquelas são estátuas feitas de mármore, mesmo assim, os florentinos cuidam para que elas não sofram desgastes. Já os Profetas de Aleijadinho, feitos de pedra-sabão, material muito mais frágil do que o mármore, já deviam ter sido retirados e levados para um museu”.