Victor Stutz, para o Diário de Ouro Preto
Vera Pinheiro estará em Ouro Preto no próximo sábado lançando seu novo livro “Água Vida”. Formada em Desenho e Artes Plásticas na UEMG, ela estudou História do Renascimento Italiano na Scuola Lorenzo de Médici, Florença, Itália, mas antes de narrar as inúmeras realizações da ousada intelectual, vale destacar: Vera Pinheiro é uma exímia contadora de histórias.
Aos 84 anos, ela tem se dedicado nos últimos tempos às crianças e ao trabalho de fazer do mundo um lugar melhor. Por isso, seu livro “Água Vida”, direcionado ao público infantil, aborda de forma lúdica e poética a importância da preservação e conservação deste valioso recurso. As ilustrações são do italiano Maurizio Manzo, comunicador visual responsável por publicações, projetos gráficos e ilustrações em diversas editoras. Maurízio também já foi professor da Fundação de Arte de Ouro Preto, FAOP.
O lançamento será no próximo sábado, 28 de maio, às 11 horas, na Livraria Outras Palavras (rua Getúlio Vargas, 239, Rosário). Na manhã de autógrafos, a autora realizará também uma oficina-supresa de brincadeiras com a criançada.
Vera Pinheiro nasceu no Rio de Janeiro, mas possui um vínculo memorável com a cidade de Ouro Preto. Em uma entrevista exclusiva ao Diário de Ouro Preto, ela relatou seus laços e feitos na terra dos Inconfidentes, desde a infância até os dias atuais. Seu relato inclui algumas de suas realizações e motivações pessoais, acompanhe.
VERA PINHEIRO, PROTAGONISTA DE MUITAS HISTÓRIAS
Como Ouro Preto chegou na vida de Vera?
VERA – Faz muito tempo. Meus pais decidiram visitar Ouro Preto, mas eu permaneci no Rio, pois tinha apenas 7 anos e a viagem era muito longa, em estrada de terra ainda. Como eu gostava muito de desenhar e esculpir, eles trouxeram para mim, de presente, um pedaço de pedra-sabão. Meu pai me contava histórias de Aleijadinho e casos de fantasma que os moradores de Ouro Preto haviam relatado para ele, na época. Cheguei em Ouro Preto pela primeira vez aos 21 anos, e já casada. Naquele tempo as pessoas se casavam muito cedo.
Inaugurada em 1968, a Fundação de Arte de Ouro Preto, FAOP, nasceu por sugestão do poeta Vinícius de Moraes e da atriz Domitila do Amaral ao governador Israel Pinheiro, que confiou ao escritor Murilo Rubião a tarefa de implantar a instituição em nossa cidade. Você acompanhou de perto esse processo e se tornou, mais tarde, uma das dirigentes dessa importante entidade. Como isso aconteceu e como você conduziu os trabalhos da fundação naquele tempo?
VERA – Vi a FAOP nascer. Lembro quando o poeta Vinícius de Moraes assumiu a função de primeiro presidente da instituição, assessorado pela atriz Domitila do Amaral, que morava em Ouro Preto e também gostava de trabalhar com crianças. Um ano depois a FAOP passou a integrar a Escola de Arte criada pelos artistas Nello Nuno e Annamélia Lopes e, depois, o curso de restauração idealizado pelo restaurador Jair Afonso Inácio (o primeiro curso de restauração do Brasil). Quando assumi a presidência da FAOP, em atendimento ao convite da secretária de Cultura Berenice Menegale, encontrei a entidade em agonia e tratei, primeiramente, de “organizar a casa”. Organizei o colegiado dos cursos com os professores e, para escapar dos custos com aluguel, consegui levar a fundação para uma nova sede, um imóvel no bairro Antônio Dias cedida pelo Padre Aleixo, meu amigo. Era o sobrado onde morava o pintor Guignard (que abriga até hoje os cursos de arte da FAOP). Enquanto conduzia as reformas no imóvel da família Aleixo, fui alertada por um amigo restaurador de que pinturas do século XVIII poderiam ser encontradas no teto. Paramos tudo e as obras só recomeçaram depois que essas pinturas foram achadas e restauradas. Na minha época à frente da FAOP, organizamos uma série de ações artísticas diferenciadas, como cursos de cinema, exposições, e algumas atividades que envolviam os trabalhos de Domitila, Fernando Sabino, Moacir Werneck e outros. De Vinícius, tínhamos o projeto “Poetinha”, que apresentava a obra dele na praça. Tínhamos ainda um outro projeto dedicado às crianças, uma oficina que desafiava a criançada a “achar um santo” em meio às pinturas das igrejas de Ouro Preto. Depois, elas aprendiam tudo sobre as imagens que elas procuraram.
Quais os sentimentos que todas essas vivências na cidade de Ouro Preto despertam em você?
VERA – Sempre que visito Ouro Preto fico um pouco triste, angustiada, ao ver que muita coisa não foi preservada. Também, durante minha gestão na FAOP, lutei muito mas não consegui concretizar um sonho: uma oficina de fundição pelo método de cera perdida (uma técnica milenar utilizada para criar obras esculturas em bronze, a mesma utilizada por escultores consagrados como Camille Claudel e Rodin. A ideia de Vera Pinheiro avançou bastante e chegou receber apoio da Escola Técnica Federal de Ouro Preto, que cedeu um galpão no seu campus para abrigar a oficina, e também da antiga ALCAN, que doou maquinário que possibilitaria a confecção de esculturas de grande porte. No entanto, a Oficina de Fundição da FAOP não chegou a se concretizar, pois todo o esforço e investimento empreendidos se perderam depois que Vera deixou a coordenação da Fundação). Mas amo Ouro Preto, me sinto em casa, tenho muitos amigos lá. Foi em Ouro Preto que celebrei meus 40, 50 e 60 anos, em festas-surpresa organizadas pelo Angelo Oswaldo, pessoa muito querida. Mas acho que meu envolvimento com Ouro Preto não é só cultural e social, chega a ser espiritual. Penso na história da escravidão, que é um carma do Brasil, e isso está muito presente em Ouro Preto.
Sobre essa sua dedicação às crianças e ao meio ambiente, como isso acontece?
VERA – Tenho dedicado minha vida às coisas que acho importantes, por isso as crianças. E você bem sabe como é difícil escrever para elas. Esse meu novo livro, “ÁGUA VIDA”, aborda um tema importantíssimo para o futuro. Recentemente fiz um curso ministrado pela SLU, a Superintendência de Limpeza Urbana, ganhei um diploma, e as pessoas acharam estranho eu me interessar por “lixo”. Tenho comigo essas preocupações que envolvem o uso consciente dos nossos recursos, até implantei no meu prédio um sistema de coleta seletiva e os vizinhos aderiram prontamente.
MAIS SOBRE VERA
Vera Pinheiro é fundadora da Cidade da Paz (Brasília), onde atuou também como diretora de Intercâmbio Internacional. No seu vasto currículo, além de presidente da Fundação de Arte de Ouro Preto (FAOP), ela também foi secretária de Cultura do Governo do Distrito Federal (Brasília, DF), diretora cultural da Sociedade Amigas da Cultura de Belo Horizonte, diretora de Museologia do Museu Mineiro de Belo Horizonte e presidente da Associação de Amigos do MAP (AMAP). Dentre suas inúmeras ações com Arte, destacam-se: Coordenação de Minas na Mostra Brasil, Brasília e os Brasileiros, Palácio das Artes, Belo Horizonte; Brasil 500 anos; Mostra de Minas Gerais no Senado Federal, Brasília; Curadoria da Mostra Quatro Artistas na Tapeçaria (Marité, Degois, Penha e Marlene Trindade), Museu de Arte da Pampulha, Belo Horizonte. Para crianças, publicou três livros: “Água Vida”, “Aqui e ali” e “História da moça boba”.
Foto: ilustração de Maurizio Manzo para o livro “Água Vida”