Integrantes da Associação de Garimpeiros Tradicionais de Antônio Pereira, distrito de Ouro Preto (MG), estiveram reunidos com o Instituto Guaicuy, no dia 25 de julho, para elaboração de uma carta que foi enviada à Câmara Técnica Índigena e Povos e Comunidades Tradicionais (CT-IPCT). O objetivo do documento é reivindicar o reconhecimento dos garimpeiros e garimpeiras do distrito como pessoas atingidas pelo rompimento da Barragem de Fundão, ocorrido em 2015, no distrito marianense de Bento Rodrigues.

                                       Reunião do Guaicuy com garimpeiros de Antônio Pereira  Crédito: Leo Souza/Instituto Guaicuy

A leitura e entrega da carta ocorreram durante a reunião da Câmara Técnica realizada na última quinta-feira (27/07), às 15h, no hotel Providência, no Centro de Mariana/MG. Durante o evento, a comunidade garimpeira foi representada por Ivone Pereira e Wilson Nunes, moradores de Antônio Pereira que defenderam a participação dos garimpeiros na Câmara e a legitimação dos prejuízos causados à comunidade em decorrência do rompimento.    

Há sete anos, o maior desastre-crime ambiental do Brasil, provocado pela mineradora Samarco, pertencente à Vale e BHP, causou a morte de 19 pessoas, danos ao meio ambiente, sobretudo a contaminação do Rio Doce, e modificações profundas no modo de vida dos moradores dos distritos de Bento Rodrigues e Paracatu de Baixo, situados no município de Mariana (MG), além de impactar dezenas de cidades ao longo da bacia do rio até a foz, no Espírito Santo. No entanto, os garimpeiros de Antônio Pereira afirmam que os estragos causados pelo rompimento são maiores e também prejudicaram outras regiões ainda não reconhecidas como atingidas.

Durante a reunião com o Instituto Guaicuy, que atua como Assessoria Técnica Independente (ATI) dos moradores de Antônio Pereira no caso dos danos causados pelas obras de descomissionamento da Barragem Doutor, os integrantes da  Associação de Garimpeiros Tradicionais contaram em detalhes como o rompimento de Fundão atingiu a comunidade. 

Imagem do arquivo pessoal dos garimpeiros apresentada durante reunião com o Guaicuy  Crédito: Leo Souza/Instituto Guaicuy

“Tivemos prejuízo e danos que nunca foram reconhecidos desde o rompimento de Fundão, a comunidade e nós, enquanto  garimpeiros tradicionais que utilizavam o Rio Gualaxo, não tivemos espaço de cadastro ou sequer fomos ouvidos pela Renova (Fundação responsável pela reparação dos impactos causados pelo rompimento da barragem).  A comunidade de Antônio Pereira, inclusive os garimpeiros, está lutando pelo reconhecimento, mas não tivemos voz até hoje”, afirmam. 

A comunidade garimpeira argumenta que o Rio Gualaxo nasce em Antônio Pereira e faz parte da Bacia do Rio Doce, por isso a atividade centenária do garimpo tradicional foi prejudicada, causando, inclusive, a evasão de alguns moradores do distrito. “A maior parte do Rio Gualaxo, onde os garimpeiros utilizavam para captação de recursos, não pôde mais ser utilizada, o rompimento atingiu quase toda a área de nossa atividade. Sempre garimpamos desde Antônio Pereira até o Bento antigo, por isso é impossível negar os impactos que o nosso trabalho sofreu, restringindo os espaços da atividade garimpeira. Depois disso, muitas pessoas foram embora e só ficaram os prejuízos”, contam os garimpeiros. 

Em outro trecho da carta escrita pelas garimpeiras e garimpeiros, fica evidente a preocupação desses trabalhadores com relação ao futuro diante da possibilidade de desemprego com a saída das mineradoras da região e a fragilização da atividade garimpeira tradicional. “Considerando a nossa perda de renda, hoje tem emprego para todo lado com a expansão das mineradoras, mas, quando acabar essa fonte de renda, os trabalhadores vão procurar trabalho no garimpo, pois é ele, que mesmo pequeno, sustenta o distrito por centenas de anos, passando de pai para filho, de geração em geração. Sempre vendemos nossas pedras para os turistas e por conta do rompimento de Fundão, houve redução do turismo e a destruição de muitas das nossas relações comunitárias, familiares e turísticas.”

Repactuação do Rio Doce

Os garimpeiros do distrito enxergam na repactuação do acordo de reparação do Rio Doce uma oportunidade de serem reconhecidos como atingidos e, assim, terem seus direitos preservados. Nessa busca por justiça e reparação do território do Alto Rio Doce, um passo importante é o reconhecimento junto à Câmara Técnica Índigena e Povos e Comunidades Tradicionais (CT-IPCT). 

Somente a partir desse reconhecimento é que os trabalhadores e trabalhadoras do garimpo em Antônio Pereira poderão solicitar a ocupação de duas cadeiras na entidade e terem representatividade na Câmara Técnica, entidade criada em 2017 para assessorar o Comitê Interfederativo (CIF). Esse comitê é presidido pelo Ibama e composto por representantes da União, dos governos de Minas Gerais e do Espírito Santo, dos municípios prejudicados pelo rompimento, das pessoas atingidas, da Defensoria Pública e do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Doce. Segundo informações descritas no site do Ibama, a principal função do CIF é orientar e validar os atos da Fundação Renova.

Tradicionalidade: é importante destacar que não é primeira vez que a Câmara Técnica e CIF recebem demandas dos garimpeiros de Antônio Pereira. Em 2021, o CIF aprovou a Nota Técnica N.39, elaborada pela CT-IPCT, documento no qual se reconhece como comunidades tradicionais os garimpeiros e garimpeiras que têm seu território composto pelas bacias dos Rios do Carmo e Gualaxo.

                                  O garimpo em Antônio Pereira é uma tradição de família       Crédito: Leo Souza/Instituto Guaicuy

O garimpo tradicional do distrito de Ouro Preto nada tem a ver com o garimpo de fronteira da Amazônia, na região Norte do Brasil. A atividade garimpeira de Antônio Pereira tem origem no século XVII, com o início do Ciclo do Ouro em Minas Gerais. Assim como a agricultura familiar e a pesca, o garimpo tradicional faz parte dos modos de vida das comunidades do Alto Rio Doce. Desse modo, essa atividade possui características próprias, é feita com ferramentas manuais e possui vínculos em  relações sociais, com o território e o meio ambiente. 

Em Antônio Pereira, as principais ferramentas utilizadas pelos garimpeiros são a pá, picareta, bateia, carrinho, enxadão, alavanca, carpete, chibanca. Segundo afirmam os garimpeiros na carta enviada à Câmara Técnica, a atividade é realizada respeitando a distância das residências e dos bens públicos. O respeito ao meio ambiente também é uma das características do garimpo tradicional. “Não utilizamos mercúrio, usamos o imã para separar o ouro do ferro. Trabalhamos de forma harmônica e colaborativa. Queremos deixar esclarecido que o garimpeiro tradicional respeita o meio ambiente, ao contrário das grandes atividades da mineração. O garimpeiro tradicional não busca lucro, busca geração de renda familiar de subsistência ou de complemento de renda”, destacam os garimpeiros.

Papel do Instituto Guaicuy 

Desde dezembro de 2022, o Instituto Guaicuy atua como Assessoria Técnica Independente (ATI) das pessoas de Antônio Pereira, atingidas pelas obras de descomissionamento e descaracterização da Barragem Doutor. 

Durante a reunião do dia 25 de julho, foi explicado aos garimpeiros que a ATI não pode agir dentro da ação da Barragem de Fundão. No entanto, os garimpeiros tradicionais de Antônio Pereira  acionaram o Guaicuy para auxiliar na produção da carta e por serem pessoas atingidas pelas obras de descaracterização e descomissionamento da barragem Doutor, integram a população atendida pela assessoria. Portanto, o papel do Instituto foi de apoiar os garimpeiros atingidos na elaboração de um instrumento técnico construído por eles. 

Leia a carta na íntegra!

Por Mariana Viana