Ouro Preto – A delegacia de Mulheres recebeu na tarde desta terça-feira, 6/06, a primeira denúncia coletiva de violência obstétrica cometida na Santa Casa de Ouro Preto, em apoio às três mães estiveram presentes a presidente do Conselho da Mulher, Débora Queiroz, a Doula e Educadora Perinatal, Jaqueline Lourenço e de Patrícia Roiko Oliveira.
Apesar de ser um tema delicado, as mães que fizeram a denúncia desejaram falar mesmo sem se identificarem para que não atrapalhem as investigações. Elas desejam que outras mães que passaram por situações de violência obstétrica se motivem a denunciar.
De acordo com Patrícia Roiko Oliveira, que foi até a delegacia em apoio às jovens mães que apresentaram a denúncia. Patrícia que é moradora de Ouro Preto, explicou que em seu primeiro parto acabou sendo levada ao erro para realizar uma cesariana, enquanto deseja ter seu primeiro parto normal, ela que escolheu ter seus outros dois filhos em Belo Horizonte, para que não sofresse novas violências nas maternidades de Mariana ou Ouro Preto. “Optei em ir para Belo Horizonte por não me sentir confiante,para não sair de lá também vítima de violência Obstétrica, meus dois filhos mais novos nasceram em Belo Horizonte, por não ter confiança de tê-los aqui na Santa Casa. Estou aqui para apoiar essas mães”
A Doula e Educadora Perinatal, Jaqueline Lourenço, comemorou o primeiro passo abrindo as portas para que outras mulheres tomem coragem de denunciar, “para que outras mulheres possam vir aqui fazer o boletim de ocorrência e possam relatar o que aconteceu durante a assistência pré-natal e no parto. O que eu espero é que este acontecimento sirva como um marco na história de Ouro Preto, para que as mulheres saibam que elas não precisam passar por uma experiência sofrida, dolorosa e violenta quando elas forem receber seus bebês”.
Para Jaqueline o dia que deve ser marcado pela alegria e a felicidade não pode ser marcado pelo medo, pelo desrespeito e pela violência física e psicológica. Ela também explicou que hoje em dia o trabalho das doulas é bem recebido pela Santa Casa, “mas ainda temos resistência de alguns médicos, não só da presença da Doula, mas de conseguir respeitar o plano de parto, que é um documento que as mulheres podem entregar para esses médicos para falar da suas preferências da condução do trabalho de parto, do parto e dos cuidados dos recém nascidos, e a gente vê uma certa resistência en relação ao recebimento dessa comunicação, dessa abertura de diálogo entre médico e paciente. A gente tem uma certa abertura, mas precisa melhorar muito e é urgente”, explicou Jaqueline Lourenço.
A presidente do Conselho do Direito das Mulheres, Débora Queiroz, também esteve presente na delegacia em apoio às mães. “Estou muito emocionada, eu nasci de uma violência obstétrica na década de 80. Minha mãe para eu nascer levou quase 24horas de trabalho de parto. então é também a minha história que está sendo contada aqui, de uma mulher pobre, na época não havia o SUS. Isso me comove bastante, é importante a gente destacar a importância do SUS”.
Segundo Débora Queiroz, o Conselho dos Direitos das Mulheres já entrou em contato com o Conselho Municipal de Saúde e já iniciaram as tratativas para unificar a pauta. “Já tratamos disso em três reuniões, mas muito importante que o plano de parto seja respeitado pelas instituições de saúde do município, mas também é importante que o plano de parto faça parte da atenção primária, desde o pré-natal, que todas as mulheres possam discutir como querem dar a luz, desde o começo da gestação, conscientizando as mulheres, talvez o papel das Doulas seja esse papel político de conscientização, ao conscientizar as mulheres que a gente possa mudar essa realidade. A gente deseja que seja investigado e tratado, para que as mulheres possam decidir como dar a Luz”.
Ouvimos as vítimas e para preservar sua privacidade vamos identificá-las como vítimas A, B e C
De acordo com a Vítima A teve seu primeiro filho aos 27 anos. Ela sofreu a violência obstétrica em novembro de 2021, “fui me dar conta disso só ano passado, eu acho que todo mundo que passou por isso deve denunciar, para outras pessoas não passarem por isso. Tem muita gente com mais idade que eu que passou por isso e não sabia que era uma violência obstétrica, então venho falar para todo mundo que já passou por isso, pra vim fazer uma denúncia pra gente conseguir algo em retorno”.
A Vítima B, também deixou seu relato. “Eu tenho 15 anos, fui vítima de violência obstétrica ano passado, e uma coisa bem comum entre as mulheres que não é levado tão a sério, é tratado como assunto normal. Não é uma coisa normal, mexe muito com o psicológico da gente, é uma coisa que marca muita nossa vida, porque o parto tem que ser um momento especial. Quem sofre a violência obstétrica, não é um momento especial, a gente toma trauma, isso fica pro resto da vida da gente. Então quero falar aqui para as mamães adolescentes, qualquer idade, qualquer pessoa que tenha sofrido a violência obstétrica que denuncie porque é muito importante para essa luta ser nossa, para esse assunto ser tratado com mais seriedade, que não fique sendo tratado como um assunto normal. Tem haver com minha idade, sou uma menina muito nova e existe um preconceito contra isso, não estou normalizando, não estou romantizando, mas tem um tabu, um preconceito contra minha idade e eu sei que a violência que sofri tem muito haver com isso”.
A Vítima C se dirigiu diretamente às mães: “ Quero dar um recado para as mães que já sofreram a violência obstétrica que vocês deem voz à violência que sofreram também, porque por mais que seja uma coisa difícil, uma coisa que torna o momento que era para ser muito especial, é muito especial né? Claro que a violência não pode tirar isso da gente, mas torna uma lembrança difícil, o momento do parto, uma lembrança dolorosa. Quando a gente vai pro parto a gente já sabe que vai sentir dor, mas quando a dor é feita por outra pessoa, desrespeitando nosso corpo e as nossas vontades isso é diferente da dor parto. Então dêem voz pra violência que vocês também sofreram, porque a gente não pode deixar isso impune.
A Polícia Civil a partir das denúncias apresentadas investigará os casos.
Outro Lado – “A Santa Casa de Ouro Preto, diante do contato, informa que prima pelas boas práticas de assistência em saúde. No que concerne ao atendimento obstétrico, a Instituição conta com a certificação de Hospital Amigo da Criança, fato que demonstra o comprometimento com a assistência humanizada. Os médicos atuantes na equipe de ginecologia e obstetrícia são, constantemente, orientados e treinados no sentido de prestarem atendimento humanizado, seguindo sempre os desejos expressados pelas parturientes dentro das condutas técnicas e éticas preconizadas.
A Santa Casa de Ouro Preto tomou conhecimento sobre essas denúncias na presente semana e, desse modo, houve a ciência da Diretoria Técnica da Instituição. O profissional médico citado pelo jornal, dentro do princípio de ampla defesa, será ouvido para que sua versão dos fatos seja conhecida. De posse de todas as informações pertinentes, não se descarta a abertura de sindicância interna para avaliação do caso, dentro dos preceitos estabelecidos pelo Conselho Regional e Federal de Medicina.
Todos os profissionais de enfermagem (técnicos e enfermeiros) atuantes na Maternidade passaram por qualificação e titulação ofertada por doulas atuantes na Maternidade Sofia Feldman, referência em ginecologia e obstetrícia no Estado de Minas Gerais. Esse treinamento teve como objetivo humanizar ainda mais os atendimentos trazendo mais conforto físico, emocional, afetivo e psicológico à mulher podendo participar de modo pleno no acompanhamento de partos.”
Reportagem Marcelino de Castro