Encontros marcam momento de escuta e diálogo entre Governo Federal e atingidos referente aos recurso que serão investidos na reparação

Mariana – A Caravana Interministerial do “Novo Acordo do Rio Doce” encontrou na segunda-feira, 24/03, o auditório do ICHS (Instituto de Ciências Humanas e Sociais) lotado, com muitas pessoas assistindo a reunião do lado de fora e encontrou uma comunidade unida e aguerrida na busca de seus direitos. A reunião estava marcada para as 18 horas e durou cerca de 4 horas, encerrada por volta das 22h50. Foram apresentadas as aplicações dos recursos de responsabilidade do Governo Federal, contidos no Anexo IV da repactuação. Os representantes dos Ministérios também ouviram os atingidos em suas demandas, procedendo o encaminhamento dos casos referentes a cada pasta. 

A reunião começou com os representantes de cada Ministério apresentando as políticas públicas e os recursos que serão investidos na reparação em Saúde, Meio Ambiente, Desenvolvimento Social, Desenvolvimento Agrário, Ibama, Incra, Educação, Minas e Energia, e da aplicação dos recursos do Fundo Rio Doce, o qual será gerido pelo BNDES Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social. Também tiveram direito a fala os representantes do MPF, Defensoria Pública, Governo de Minas e do deputado Estadual Leleco Pimentel (PT).

Após todas essas falas, os atingidos pelo rompimento da barragem de Fundão tiveram a primeira oportunidade de se posicionarem diante do Governo Federal, em relação ao acordo, para apresentar suas demandas em busca de reparação, Uma queixa foi que não tiveram representantes na mesa de negociação do Acordo de Mariana. 

Era a primeira vez que os atingidos estavam sendo ouvidos após a assinatura do acordo. Seus relatos, muitas vezes, são a expressão do desabafo, respeitado pelos integrantes da Caravana. Simone Silva, representante do Quilombo de Gesteira foi imperativa em sua fala disse que não estava alí relatando a situação e sim apontando os encaminhamentos. 

“Nós estamos há quase 10 anos buscando reconhecimento na saúde, buscando o reconhecimento do Quilombo e a gente acordava, né? Que esse governo olhasse pelo povo, porque durante a campanha política dele,  ele dizia o seguinte: ‘olha, quando eu for eleito vou resolver a situação’, e foi tudo ao contrário, né? Um governo que se dizia da minoria, um governo que se dizia do lado do povo, o mesmo governo que reconheceu o Quilombo é o mesmo que excluiu o Quilombo, dá com uma mão e tira com a outra? Então o nosso Quilombo de Gesteira segue firme na busca de reparação, nós não vivemos aqui pedir favor, nós viemos aqui exigir o nosso direito”, concluiu. 

A reunião serviu para que os representantes dos ministérios percebessem, que os atingidos de Mariana são combativos. Foram apresentados os gargalos pelos atingidos, além de relações já construídas na reparação que perdem o efeito, e podem colocar famílias na situação de despejo. 

Entre os problemas apresentados está a situação dos atingidos que possuem animais de criação, segundo Marino, morador de Paracatu, a Samarco vai cumprir a devolutiva das obrigações como alimentação e alocação dos animais, antes de pagar a indenização. Essa pergunta não foi respondida pela Caravana como os atingidos esperavam. 

Foram 15 inscritos, dentre as quais destaco inicialmente as Mulheres Guerreiras de Antônio Pereira, as quais colocaram seu ponto de vista sobre os impactos que o distrito viveu. A Garimpeira, Dona Ivone Zacarias afirmou que quem sentiu as consequências foram os moradores de Antônio Pereira.

Wilson Nunes completou disse que após o rompimento as mineradoras pararam suas atividades e demitiram funcionários terceirizados, o que impactou a economia de Antônio Pereira, especialmente nos aluguéis, além do comércio e prestação de serviços. “Após o rompimento da barragem de Fundão a Samarco a Vale e a BHP, logo nas semanas seguintes mandou todos os funcionários embora, dispensou todas as moradias que estavam alugadas, virou as costas foi embora.  A nossa comunidade ficou na miséria. Se não fosse os garimpeiros e as garimpeiras tradicionais, o povo de Antônio Pereira tinha passado fome e eram mais de 300 garimpeiros”, explicou. 

Wilson também questionou o fechamento do Colégio Arquidiocesano, disse que o modelo da repactuação está na contra mão, parabenizou o prefeito de Mariana, Juliano Duarte por não ter assinado o acordo. Disse que a população de Antônio Pereira sofre para ter um pronto atendimento em Mariana. Reivindicou que os valores acordados deveriam ser repartidos de forma diferente, sendo 1% para o governo federal e estadual e o restante aplicado nos atingidos. Ele defendeu também que cada família de Antônio |Pereira receba R$ 100 mil de indenização.

A Conselheira de Saúde, Aída Anacleto, denunciou que a cidade pode perder recursos do Sus, por não haver registros no sistema informações do DigiSUS desde 2018. “É muito mais grave do que se imagina, inclusive eu que é passível de auditoria. O que acontece em Mariana é passível de auditoria e não é de agora não. A cidade é rica, e não vai ter os programas que vão ter as cidades vizinhas. Eu quero saber como vai ficar a situação da saúde mental e da saúde como um todo, no processo de repactuação, já que na pactuação não fizeram nada, não inseriram a cidade para tratar o seu esgotamento, sua água, que eu acho que é básico numa cidade de mais de 300 anos. Então é isso, só queria saber como fica a situação do SUS e também no SUAS e na coisa imediata, como fica a situação do antendimento na saúde Mental?

Mônica dos Santos também apresentou suas questões aos representantes dos Ministérios
Foto: Marcelino Castro

TRAGÉDIA NÃO!

Os atingidos não aceitaram o termo “tragédia” para se referir ao rompimento, utilizado pela representante do Ministério de Desenvolvimento Agrário. Eles frisaram que foi um “crime”, que matou pessoas e que destruiu o rio Doce. Além de gerar em suas comunidades impactos que ainda não foram resolvidos e ainda dói. Adriana Aranha, assessoria especial do Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, se desculpou, corrigiu o termo e afirmou que compreende a dor dos atingidos, sendo este um fator que a motivou a trabalhar intensamente nas ações que o Ministério pode cumprir para atender aos atingidos. 

Acompanhamento parlamentar

Deputado estadual Leleco Pimentel
Foto: Marcelino Castro

O deputado Estadual  Leleco Pimentel (PT), que é o atual coordenador da CIP Rio Doce (Comissão Interparlamentar MG/ES), defendeu que seja construído um hospital público em Mariana, para que os recursos do Fundo perpétuo da saúde possam ser direcionados para o atendimento da população. Ele disse que vai convocar uma audiência pública para debater os recursos que estão nos Anexos de responsabilidade do governo de Minas.

Direito à Informação

Nenhum atingido foi impedido de falar o que desejava, mesmo quando interrompia a fala de um representante dos ministérios. A postura seguiu até o fim da reunião, quando o repórter também quis fazer sua queixa. Afinal de contas, não foi convidado, e não houve informes públicos da reunião em Mariana, com os atingidos naquele horário e naquele local, o auditório do ICHS, que ficou pequeno para acolher todos os atingidos. 

A reparação é um assunto que interessa a toda comunidade e, pelo princípio da transparência, previsto no inciso XXXIII do artigo 5º da Constituição Federal e da publicidade  previsto no artigo 37 da Constituição Federal,  e após a lei de Acesso à Informação Lei 12.527/2011, esperava-se que haveria uma comunicação, que no jornalismo é a “Sugestão de Pauta” sobre a Caravana em Mariana, à imprensa de Ouro Preto, Mariana e todas as cidades ao redor deveriam saber dessa reunião. A nossa reportagem descobriu em tempo de registrar. Os vídeos podem ser assistidos no instagram @jornaldiariodeouropreto 

Por Marcelino Castro

Posicionamento da Samarco sobre os animais

A Samarco informa que a devolução dos animais, conforme estabelecido no Acordo de Reparação da Bacia do Rio Doce, seguirá os critérios acordados e será realizada em prazos definidos. A empresa notificou os tutores dos animais em 30 dias após a homologação judicial do acordo, em novembro de 2024. A partir dessa notificação, os tutores registrados têm até 120 dias para informar o local de entrega dos animais ou optar por receber a indenização correspondente. 

Caso optem pela devolução, a Samarco garantirá o transporte adequado e seguro dos animais, respeitando padrões de bem-estar, como vacinação, vermifugação e, quando aplicável, esterilização e identificação por microchip. A entrega será previamente agendada, e o tutor assinará um termo de recebimento e responsabilidade.

A Samarco reforça seu compromisso com a reparação definitiva e com a transparência no diálogo com as comunidades atingidas, garantindo que todas as medidas sejam realizadas com segurança e dentro dos prazos estabelecidos.

SAIBA MAIS

NOVO ACORDO DO RIO DOCE – O Novo Acordo para reparação dos danos causados pelo rompimento da Barragem de Fundão, em Mariana (MG), foi homologado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 6 de novembro de 2024.
 

Assinado pelas empresas Samarco (responsável pela barragem do Fundão), Vale (brasileira) e BHP Billiton (anglo-australiana), que controlam a Samarco, e pela Advocacia-Geral da União (AGU), pelos governadores de Minas Gerais e Espírito Santo, Procuradoria-Geral da República (PGR) e Defensoria Pública da União, Ministérios Públicos de MG e do ES e Defensorias Públicas dos dois estados, destina R$ 132 bilhões em dinheiro novo para ações de reparação e compensação ao longo de 20 anos.
 

Desse montante, R$ 100 bilhões serão repassados aos entes públicos – União, estados de Minas Gerais e Espírito Santo e municípios que aderirem ao acordo – para aplicação em projetos ambientais e socioeconômicos, incluindo programas de transferência de renda. Outros R$ 32 bilhões serão direcionados para recuperação de áreas degradadas, remoção de sedimentos, reassentamento de comunidades e pagamento de indenizações às pessoas atingidas, que serão realizados pela Samarco.
 

FUNDO RIO DOCE – O Governo Federal publicou, no dia 18 de março, o decreto 12.412/2025 que regulamenta a criação do Fundo Rio Doce, a ser gerido pelo BNDES, e trata da gestão dos recursos financeiros destinados às medidas reparatórias e compensatórias coletivas definidas pelo Acordo Judicial.
 

Os recursos, na ordem de R$ 49 bilhões, estimativa inicial, são destinados a ações de responsabilidade do governo federal: medidas, projetos e programas cujos destinatários localizam-se na Bacia Hidrográfica do Rio Doce e na zona costeira e marinha do litoral capixaba. Dentre as ações, estão o financiamento de projetos de transferência de renda, infraestrutura, saúde, educação, meio ambiente e prevenção de riscos na mineração.

O decreto estabelece a governança e o controle na gestão dos recursos, com a criação do Comitê do Rio Doce, do Comitê Financeiro do Fundo Rio Doce e o estabelecimento do papel do BNDES, que deverá administrar o fundo, elaborar estatutos, aplicar recursos financeiramente e executar projetos.
 

Do montante total, R$ 5 bilhões serão para projetos das comunidades nos temas estabelecidos pelo acordo: economia popular e solidária; segurança alimentar e nutricional; educação popular; tecnologias sociais e ambientais; promoção do esporte e do lazer; cultura e mídias locais; defesa da terra e território.

Os recursos do Fundo Rio Doce serão garantidos a partir dos aportes das empresas responsáveis pelo desastre – Samarco Mineração S.A., Vale S.A. e BHP Billiton Brasil Ltda. – durante 20 anos, bem como os rendimentos financeiros dos recursos aplicados.
 

A gestão será sob regime de cotas, com patrimônio segregado, ou seja, não se comunica com o patrimônio do BNDES ou da União. O objetivo é que os valores sejam aplicados de forma estruturada e transparente nas diversas ações de recuperação da Bacia do Rio Doce e de apoio às comunidades da região.
Fonte: Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República

Foto destaque: Em Mariana, os representantes do Governo Federal ressaltaram que a Caravana marca um momento de reconstrução da confiança. A plenária ouviu lideranças comunitárias, representantes de povos tradicionais e moradores da região – Foto: Dney Justino