Antônio Pereira – Atendendo ao ofício da 2ª Promotoria de Justiça de Ouro Preto ocorreu na noite de ontem (27) mais uma reunião com a comunidade do distrito. Estiveram presentes funcionários da Vale e a equipe da Defesa Civil prestando esclarecimentos à comunidade e aos promotores Aline Silva Barros,  Dr. André Sperling, da força tarefa do MPMG e Dr. Domingos Ventura, da 4ª Promotoria de Justiça de Ouro Preto. Uma nova reunião ficou marcada para o dia 10 de março.

A Escola Estadual Professora Daura de Carvalho ficou lotada, antes mesmo de começar a reunião. Todos queriam ouvir os esclarecimentos e informações sobre as condições da barragem,  a área de mancha, quantas famílias deverão sair de suas casas e se a saída é permanente. O clima não era de revolta ou de violência como alegava a Vale para não reunir com as famílias. Todos que chegavam eram convidados a assinar o documento que seria entregue a promotora.

Dois documentos foram entregues à Dra. Aline Silva, um deles é o abaixo assinado com 49 pontos tidos como essenciais para a comunidade. A promotora irá oficiar a empresa para que responda sobre as observações da comunidade. Ela disse ao público que a empresa tem a oportunidade de celebrar acordos com o Ministério Público, para que evite ações judiciais. 

A sessão foi aberta por Dr. Aline Silva que após explanar, passou a palavra a Dr. André Sperling que pediu ao público que ouvisse os funcionários da Vale, e os respeitassem, pois os “inimigos” estavam em escritórios no Rio de Janeiro, sendo aquelas pessoas apenas funcionários sem poder de decisão. Ele pediu também que ninguém interrompesse os empregados da Vale quando falassem. E deixou claro que não tinha como garantir a segurança dos empregados,  mas que contava com o público para que a reunião fluísse de forma ordeira. Dr. André Sperling enquadrou a empresa, apresentando a dinâmica da reunião e após o tempo de explanação de 30 minutos, que acabou sendo alongado para mais 45 minutos, e de responder às perguntas da comunidade, a empresa foi dispensada da reunião debaixo de chuva.

O tempo da Vale foi aberto com a fala rápida fala da Diretora do Complexo, Heloísa Oliveira. “A primeira mensagem é que essa ação é preventiva, a barragem Doutor encontra-se em nível 1, tivemos essa semana o laudo, a gente tem empresas que estão trabalhando, inclusive empresas para trabalhar  junto ao Ministério Público, para que tenha esse olhar cada vez mais criterioso. Nossa barragem encontra-se em nível 1 e faremos o processo de descaracterização, que eu acho que é algo muito importante para nossa segurança, ela passar por esse processo de descaracterização e a gente, de fato, começar um nova jornada nesse processo, do que que são essas barragens de nossas operações e nossas comunidades”.

O Geotécnico Wilson Mourão apresentou o resumo da situação da barragem que teve início das operações em 2001 e em março de 2019 a mina de Timbopeba foi interditada, não apenas a barragem de Doutor, mas toda a mina.  “Nós não tivemos nenhum elemento físico na barragem que denotassem preocupação”. A partir de agosto de 2019, a barragem foi drenada para que aumentasse o fator de segurança. Este ano será construído um vertedouro. A barragem tem 37 milhões de metros cúbicos. O monitoramento é diário e os dados são passados à Agência Nacional de Mineração, toda sexta-feira um relatório é enviado aos órgãos fiscalizadores.

O engenheiro Civil Wagner, mestre em geotecnia, que trabalha com barragens de rejeitos há mais de 14 anos, comentou que chegou para reforçar a equipe do projeto de descaracterização. Para ele, de forma assertiva a empresa já mudou o padrão da barragem com a drenagem. “O segredo é a retirada de água, tirou a água reduz o fator de risco, eles estão atrelados”. De acordo com Wagner a segunda etapa é construção da estrutura de drenagem garantirá a segurança. “Sempre que a água chegar, ela sairá naturalmente sem precisar de bombeamento”. A obra de construção do vertedouro está programada para esse ano, após realizada começará a etapa de reforço da estrutura dos diques.

O responsável pelo PAEBM ( Plano de Ação de Emergência para Barragens de Mineração) explicou que a remoção das famílias das áreas de risco é um fator de segurança para o início das obras de descaracterização. A previsão é que 200 pessoas sejam removidas de 107 imóveis.

Em seguida Dr. Domingos Ventura interveio e pediu que fossem claros ao dizer sobre o horizonte da evacuação, se serão remoções definitiva e sobre a área de mancha. Foi aplaudido. Sobre a remoção foi informado que será definitiva. Em relação à área de mancha, Wilson explicou que o primeiro cenário hipotético a barragem de Timbopeba rompendo atingiria a barragem da Natividade e a onda teria força para romper a também barragem de Doutor. “Com o avanço das simulações vimos que esse cenário era fisicamente improvável de acontecer, então por isso revisão dessa mancha”.

O promotor Domingos Ventura interveio mais uma vez e cobrou informações sobre a Zona de Auto Salvamento e o plano de benefícios aos impactados.  Sobre os benefícios e os prejuízos foi informado que a Vale montará um escritórios de indenizações e que as famílias poderão ir negociar. As famílias retiradas estão em hotel temporariamente até que elas encontrem uma moradia que sejam de interesse, estando nas moradias provisórias, a partir daí se inicia a segunda fase, de indenizações. 

Sobre a saída e a permanência de moradores da mesma rua foi dito que as casas que não precisam ter pessoas removidas se deve ao fato delas não estarem em áreas de ZAS. “A prioridade é quem está em área de Zas”, frisou o responsável pelo PAEBM.

Dr. André Sperling foi enfático e disse que a comunidade está entrando com a parte ruim

Com as respostas dadas, Dr. André Sperling interveio disse que não há benefícios. “A situação apresentada aqui pela própria Vale é que nós não estamos em risco iminente de rompimento, estamos em situação de uma retirada programada, porque quando forem mexer na barragem o nível de risco vai subir muito. A questão que fica é a seguinte, vocês é que estão entrando com a parte ruim do negócio, ter que sair de suas casas para ir para um local. Mas não existe nada previsto aos direitos de vocês, depois que estiverem na rua da amargura, morando de aluguel, de favor da Vale é que vão poder discutir seus direitos vocês acham que isso está certo? Então se a coisa é programada, nós vamos programar isso também, quanto que a Vale vai pagar pelas casas? Quanto que é o padrão para todo mundo, porque não vai ser negociação individual, se vocês começarem a fazer negociação individual com a Vale, sabe o que vai acontecer com você? Levar um outro ferro, é isso que vai acontecer. O que a gente exige aqui da Vale, é criar parâmetros coletivos de indenização. Nós já temos um documento que a Vale assinou com a defensoria pública que poderia ser aplicado aqui”, explicou o promotor da Força Tarefa.

Secretário de Defesa Social, Antônio Ramos defende que a Vale arque com as despesas da Defesa Civil

Em seguida passou-se para o momento de perguntas e respostas. Questionado sobre a pequena estrutura da Defesa Civil de Ouro Preto, o Secretário de Defesa Social, Antônio Ramos confirmou que a estrutura é pequena para cobrir todo o município, mas afirmou que quem tem que “arcar com isso é quem está causando os transtornos a vocês é a Vale que tem que arcar com isso”. Sobre a retirada das famílias, Ramos disse que foi informado por populares e que notificou a Vale para dar explicações, pois 5 famílias foram removidas sem o acompanhamento da Defesa Civil. A empresa confirmou que estão hospedadas em hotéis.

Dr. Domingos Ventura solicitou que de forma imediata a Vale possibilite o acesso ao mapa a toda população da área de inundação. Para que a comunidade tenha clareza sobre a real área de mancha e o plano de evacuação. “Fomos informados que haveria dois momentos de evacuação o primeiro com 28 famílias e o segundo com 70, totalizando 98 famílias. Peço que a Vale deixe claro, há um divisão de momentos ou não? É importante que todas as pessoas de Antônio Pereira evacuados ou não, tenham acesso a esse mapa”.

Técnico do PAEBM

Respondendo ao promotor, o responsável pelo PAEBM disse que neste processo de evacuação o número estabelecido é o que foi apresentado no slide com 107 imóveis e 200 pessoas. 

Após a saída dos funcionários da Vale e da defesa Civil a reunião durou mais de uma hora. Dra. Aline Silva confirmou o recebimento dos documentos da comunidade e que irá oficiar a Vale para que dar a resposta à população em 10 dias, após a resposta serão adotadas as medidas cabíveis. “ Se a resposta for positiva vamos fazer um acordo, se for negativa, vamos ajuizar”, explicou.

Dr. Domingos Ventura apresentou os dados apurados pela Consultoria da SLR, empresa independente que está analisando a situação da barragem. O relatório diz que as medidas adotadas pela Vale são adequadas ao enfrentamento da situação. “SLR entendeu que o nível 1 de emergência é o nível correto. A consultoria não entende que há risco iminente de ruptura. A SLR escreveu isso com todas as letras, ‘não há risco de ruptura’, agora há riscos, tanto é que estamos em nível 1 de emergência. Outro ponto importante a SLR ainda está realizando uma auditoria técnica sobre os trabalhos que a Vale apresentou hoje a todos vocês, que é o trabalho do descomissionamento e descaracterização, que basicamente não mandar mais rejeitos, fazer o vertedouro e depois deste vertedouro pronto fazer o reforço da barragem, da crista dessa barragem é o que falou o técnico da Vale. A SLR propôs algumas modificações, agora ela entendeu que esse projeto de descaracterização é adequado também o que nos deixa com tranquilidade, mas esse projeto está sendo desenvolvido e ela está aferindo passo a passo”.

Sobre a evacuação a consultoria informou ao promotor que é uma medida adequada neste momento que há risco, apesar de não ser iminente. “Ela (SLR) destacou que os próprios trabalhos de obras gerarão um impacto negativo para a comunidade muito grande e entendeu também como adequado”, explicou Dr. Domingos Ventura.

Para o promotor a 4ª Promotoria de Justiça de Ouro Preto o que precisa ser feito é uma remoção com arrimo técnico e que garanta os direitos. “Estamos hoje nesse momentos, tentando construir direitos, mínimos que sejam, mas direitos que vão dar dignidade a comunidade para passar por essa transição.  O trabalho hoje foi mais um dia, de um trabalho ainda longo que vamos percorrer mas vamos conseguir”, garantiu o promotor.

Vander Leitoa e o Promotor André Sperling

O vereador Vander Leitoa (PV) e morador do distrito participou da reunião mas não se manifestou. Ele informou à reportagem que seu ponto de vista será apresentado na próxima reunião da Câmara, na terça-feira, 3/03.

Dr. André Sperling agradeceu aos participantes pela postura de respeito com os funcionários da Vale e frisou que o inimigo está em escritório no Rio de Janeiro. Que enviará um antropólogo para que seja feito um laudo dos impactos sociais na comunidade, e frisou que toda a comunidade é atingida, não apenas os que serão removidos. A reunião foi encerrada por volta de 21h30.
Por Marcelino de Castro