Em Miguel Burnier, as operações de caminhões e tratores da Gerdau Açominas disputam o espaço com o dia a dia de cerca 180 moradores que vivem no distrito de Ouro Preto. Ali, é possível ver as fachadas de casas cobertas pelas marcas da poeira e escutar o barulho que começa e termina com as atividades da empresa de mineração. Miguel Burnier concentra a maior área de extensão territorial dos distritos ouro-pretanos, o total de 196,45 km², entretanto é também a localidade que mais sofre com o êxodo rural. Atualmente, a população vem abandonando o distrito por falta de perspectiva de crescimento econômico.

Em 2003, a chegada da Gerdau veio junto com a promessa do desenvolvimento econômico local. Entretanto, nenhum dos moradores conseguiu uma oportunidade de emprego na empresa. De acordo com o morador Paulo Roberto Gomes, 36 anos, a promessa de que o distrito iria se desenvolver foi amplamente propagada com a chegada da empresa, mas foi desacreditada anos quando a Gerdau começou a comprar as casas dos moradores e afetar diretamente a vida da comunidade, chegando a instalar uma unidade de tratamento de minério ao lado do cemitério de Miguel Burnier. “Aqui, nosso carro tem prazo de validade, porque é impossível não destruir o carro com a quantidade de lama e minério que ficam na estrada”, afirma.

A falta de infraestrutura do distrito está entre as queixas principais de vários moradores. A maioria das placas de sinalização no distrito atendem as demandas da empresa. Não há farmácia, padaria, hotel, hospital, posto policial ou mercearia na região. Gradativamente, quando a crise econômica afetou o distrito vários moradores se mudaram para outras localidades. Hoje, a população encontra-se dependente de viagens até a sede municipal para comprar todos os itens da feira mensal. O único comércio do distrito funciona improvisado dentro de um container, onde o vendedor não tem acesso à água potável e tampouco um banheiro.

Diante deste contexto, 48 moradores de Miguel Burnier moveram uma ação judicial de reparação de danos materiais e morais contra a Gerdau Açominas, pelo processo de número 5000319-88.2018.8.13.0461 da 2ª Vara Cível da Comarca de Ouro Preto. Os moradores alegam que a empresa, diferente de outras que ali estiveram, promoveu uma intensa modificação no espaço geográfico local, o que comprometeu os laços sociais da comunidade. De acordo com a advogada que assessora os moradores, Mileni Martins, o processo não quer extinguir as atividades de mineração mas rever a forma como a empresa atua junto à comunidade, que atualmente se vê privada de direitos fundamentais e por meio dessa ação reivindica a devida reparação.

O distrito tem sua história atrelada ao desenvolvimento do minério. Após a chegada da ferrovia de trem, em 1893, foi inaugurada a Usina Wigg, que se tornou uma referência nacional na produção de ferro. Paralelamente, a economia local viveu um crescimento, com vários comércios e um salto populacional. Durante o século XX, o distrito viveu uma estabilidade econômica que beneficiou a população local diretamente e sustentou-se até o meio da década de 90, com a economia do extrativismo do minério realizada por várias empresas.

Segundo o morador Adão Martins, 43 anos, a falta de infraestrutura do distrito tornou a comunidade dependente da sede municipal, localizada a 40 km de distância. Ele ressalta que a área da saúde é ponto mais problemático, pois em casos de emergência a chegada do SAMU (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência) demora cerca de 3 horas. Atualmente, o distrito dispõe de um posto de saúde público que conta com uma enfermeira no quadro de funcionário fixos e um médico que atende de 15 em 15 dias.

De acordo com a Secretaria Municipal da Fazenda de Ouro Preto, os impostos sobre serviços (ISS), em 2017, somaram aproximadamente R$ 10 milhões mensais, o que corresponde a 55% da arrecadação da cidade. Entretanto, a despeito do lucro gerado pela mineração a realidade do distrito contrasta com um cenário onde moradores lidam com a falta de emprego e falta de formação profissional.

Natália Aparecida da Silva, 35 anos, que cresceu no distrito observa que antes da chegada da Gerdau Açominas era possível trabalhar e viver com tranquilidade em Burnier. Ela comenta que o filho maior de dezoito anos não consegue encontrar emprego enquanto os mais novos não têm perspectiva profissional de fazer um curso ou estudar diante da falta de oportunidades.

Aos 80 anos, Geraldo Bernardo Vieira, vive a 35 anos Burnier. Quando a Gerdau Açominas chegou na comunidade ele já morava há 15 anos na casa que hoje fica a poucos metros da portaria da balança de minério da Gerdau. Suas janelas e a porta da varanda permanecem fechadas durante todo o dia na tentativa de diminuir a poeira que, de acordo com o morador, incomoda muito o dia a dia. “O barulho dos carros incomoda demais, só que a gente vai indo até acostuma viver assim, estou aqui isolado sem vizinhos”, afirmou. Em meio ao problema, de acordo com Geraldo, a empresa ofereceu a proposta de uma casa de aluguel vitalícia, mas cessou as negociações e a possibilidades de uma indenização.

Fachada da Casa de Geraldo Vieira, ao lado da entrada da balança da Gerdau

Outro morador, Antônio Maciel da Souza Pires, 54 anos, afirma que entre os impactos sofridos com a chegada da empresa está a falta de diálogo com a comunidade. Ele relembra que seu terreno foi invadido há cinco anos por engano pela Gerdau para instalação de obras hidráulicas que culminou na retirada de um mata burro e desvio do córrego, e que mesmo após a confirmação de posse da área as manilhas e vergalhões de aço permaneceram no mesmo lugar comprometendo a segurança e inviabilizando a mobilidade da família. “Eles (Gerdau Açominas) fizeram um acordo comigo de fazer uma ponte no local ou aumentar as manilhas porque eu fico preso na minha casa em época de chuva, eu trabalho na agricultura familiar de Ouro Preto e, às vezes, eu estou carregando inhame ou moranga, mas em período de chuvas fortes eu não passo”, afirma.

A Gerdau Açominas nos apresentou os projetos que realiza no distrito como posicionamento sobre essa ação, como visto na reportagem: “Entre o desenvolvimento econômico e a precariedade social: moradores reivindicam melhorias em Miguel Burnier“.