Ouro Preto e seus dias históricos, hoje 9/04/22, foram celebrados os duzentos anos do discurso de Dom Pedro I ao povo de Vila Rica, “que se quebravam naquele dia os ferros do despotismo nesta província”. A data também foi relembrada em 1922, quando instalaram placa alusiva abaixo da sacada principal do então palácio dos Governadores, atual Escola de Minas/Museu de Ciência e Técnica da Ufop.

Para celebrar o Bicentenário da visita de Dom Pedro I, nomeada de “Proclamação de Vila Rica”, Angelo Oswaldo convidou João Orleans e Bragança, para realização do ato solene. A comemoração gerou reações entre professores Doutores em História da Ufop, para eles o convite para o evento acaba “associando uma série de eventos e dando a eles um sentido que não tem lógica interna (como unir a Conjuração Mineira, republicana, e a construção do governo imperial no Brasil como parte de um único e mesmo projeto em torno de “anseios de liberdade” dos mineiros) e nem base sólida na documentação histórica disponível”, afima um dos professores que assinaram nota sobre a data que está ao final desta reportagem.

Na terça-feira, 9 de abril de 1822, o então futuro Imperador do Brasil, que seria conhecido como Dom Pedro I, decido a ficar no país, discursou ao povo de Villa Rica e garantiu a liberdade a partir daquele dia à Provincia, como está na placa de 1922.

A Liberdade “proclamada ao povo” na mesma Vila Rica, que 30 anos antes, também em abril, viveu os efeitos da Derrama, com o cumprimento da sentença desfavorável ao Tiradentes no dia 21, com seu enforcamento no Rio de Janeiro.

Neste 9 de abril de 2022, João de Orleans e Bragança defendeu a democracia e a liberdade durante seu discurso na portada da Escola de Minas. Em seguida, assistiu à execução do Hino da Independência, pela Corporação Musical Bom Jesus das Flores, da sacada utilizada para o Discurso de Dom Pedro I. Na sequência visitou a Biblioteca de Obras Raras da Ufop e o Museu de Ciência e Técnica. 

 Ao ser entrevistado sobre a Monarquia e o estado democrático, João de Orleans e Bragança ressaltou que “Dom Pedro II deixava claro que o dever dele era moderar as instituições. Havia o parlamento, havia o Senado, os senadores, os deputados, e ele era o moderador e dizia que não tinha partido. A ideia da monarquia moderna, como na Escandinávia, na Bélgica e no Japão é ter chefes de Estado e não de governo. E as monarquias que existem devem ser monarquias liberais, democráticas, constitucionais servindo ao país ao qual expressa juramento. Pedro I e II prestaram juramento à constituição e dedicaram suas vidas ao país, ao Brasil, às instituições, ao equilíbrio das instituições e eu herdei essa função de divulgar a liberdade.”

João Orleans e Bragança disse que a data, comemorada neste sábado  9 de abril, é importante para a independência do Brasil. Ele defendeu a democracia e destacou que ela precisa ser continuamente aprimorada. “E hoje é o dia mais importante para mostrar que a liberdade é como se faz uma nação, e essa liberdade, essa independência, ela deve ser conquistada a cada dia, a democracia deve ser conquistada a cada dia, não existe democracia perfeita. A gente aprimora a democracia, mesmo nos países mais democráticos do mundo ela vai mudando. E nós precisamos aprimorar nossa democracia, espalhar nossa democracia, fazer com que ela chegue a todos. Que nós tenhamos menos desigualdade, que é uma das vergonhas nacionais, entra governo, sai governo e a nossa desigualdade continua cada vez maior.”

A desigualdade social brasileira foi taxada de vergonhosa, por João. “O país enriqueceu, mas a desigualdade continua cada vez maior, isso é uma vergonha, o Brasil não pode conviver com isso. Então nós precisamos de independência e de democracia para que o povo entre nessa luta de que depende de nós, brasileiros, de cada um de nós brasileiros a mudança dos rumos do país.”

Sobre o processo eleitoral afirmou que a polarização tem efeitos negativos para o país. “Nós estamos vivendo um momento muito delicado, muito frágil da nossa democracia, e espero que a gente consiga deixar para trás essa polarização que está acontecendo no Brasil de hoje e que a gente consiga exigir dos governantes honestidade, transparência e democracia”, Afirmou João Orleans e Bragança, tataraneto de Dom Pedro I.

Reportagem e Fotos: Marcelino de Castro

Nota sobre a comemoração de 9 de abril por parte da Prefeitura de Ouro Preto e Escola de Minas.

Os duzentos anos da Independência do Brasil, momento importante para reflexões e debates para a nação brasileira, tem dado espaço também para uma série de eventos, no afã comemorativo, descolados de qualquer referência crítica ou fundamentada para o momento. A comemoração proposta pela Prefeitura de Ouro Preto para o próximo dia 9 de abril é um destes eventos os quais temos o dever de confrontar.
Sob o nome de “Proclamação de Vila Rica”, a Prefeitura pretende homenagear o que chamam de “Bicentenário da Declaração de Dom Pedro ao Povo de Ouro Preto”. O evento contará com a presença de João de Orleans e Bragança que se autointitula “príncipe”. O Brasil é uma República desde 1889 e aqui não mais existem príncipes ou famílias reais. Não haveria problema que os descendentes do imperador do Brasil participassem de eventos ou festas de caráter cívico, mas não com a errônea afirmação de se tratar de “Alteza Imperial”. Este é um país que queremos livre, democrático e igualitário. Tratamentos como este nos fazem evocar nossa Constituição cidadã de 1988 que reitera a necessária defesa da democracia republicana. Aliás, a primeira constituição republicana, em 1891 já estabelecia em seu art. 72: “a República não admite privilégios de nascimento, desconhece foros de nobreza e extingue as ordens honoríficas existentes a todas as prerrogativas e regalias, bem como títulos nobiliárquicos…”.
O texto de apresentação do evento não poderia ser mais impreciso e ao mesmo tempo tendencioso em relação ao que se quer afirmar. Como sabemos, d. Pedro, então príncipe regente, buscava alianças para seu projeto de permanecer no Brasil em vista das ordens emanadas pelas Cortes Constitucionais de Lisboa para seu retorno imediato à Portugal. Para tais alianças, d. Pedro buscava uma base de apoio e lealdade junto às Câmaras municipais, uma vez que os atritos e desconfianças em relação às Juntas de Governo Provisório eram constantes. Neste contexto, d. Pedro empreendeu uma viagem às Minas e chegou a Vila Rica em 9 de abril de 1822. Qualquer estudioso do período sabe bem que o príncipe regente havia embarcado nesta viagem para conter a sua perda de apoio entre os membros da Junta de Minas Gerais, a qual ele destituiu para a formação de uma nova Junta de Governo Provisória mais aderente aos seus planos políticos. Dito isto, estamos afirmando que o contexto foi muito mais complexo do que se faz parecer na apresentação do evento referido acima. Não houve uma construção triunfante de d. Pedro, enquanto príncipe regente, em direção ao 7 de setembro com o apoio irrestrito “do povo” de Vila Rica, tanto que no dia 25 de março de 1822 o Senado da Câmara de Vila Rica exaltava o “Príncipe Regente Constitucional” no sentido de buscar promover a união entre as províncias e, ao mesmo tempo, “manter a sua união com o [reino] de Portugal” (As Câmaras Municipais e a Independência, Arquivo Nacional, 1973, v. 2, p. 213). Como sabemos a construção da Independência não foi tão simples e nem se resumiu ao 7 de setembro, tampouco se fixou ali naquela data. Muitos meses ainda se passariam até a adesão de todas as províncias em 1823. Historiadores de ofício não podem e não devem endossar tais imprecisões e artifícios anacrônicos que implicam em, a pretexto de comemorar, enaltecer as ações individuais de grandes homens.
Já passa da hora das comemorações serem pretexto para pensar a história em vez de celebrar fatos singulares e de importância relativa como mostramos acima. Nesse sentido, é igualmente espantoso que a Prefeitura de Ouro Preto não tenha cogitado convidar professores e professoras de todos os níveis de ensino, responsáveis pela formação das novas gerações, a refletirem conjuntamente sobre as relações entre a Independência e a história da cidade. Perde-se a oportunidade de comemorar em um sentido mais alto e duradouro, isto é, promovendo uma educação histórica que contribua para a emancipação.

ASSINAM:
Programa de Pós-Graduação em História – Universidade Federal de Ouro Preto.
Departamento de História – Universidade Federal de Ouro Preto.
Colegiado do Curso de História / Licenciatura – Universidade Federal de Ouro Preto.
Colegiado do Curso de História / Bacharelado – Universidade Federal de Ouro Preto.