Antes da chegada dos europeus no Brasil, as terras deste país eram povoadas por inúmeros povos originários, que possuíam diferentes crenças, línguas e culturas, e as mais diversas práticas. Com o passar dos anos, essas culturas vêm sendo apagadas, pouco a pouco, e somos condicionados a pensar nos povos indígenas como seres estranhos, isolados, e que não fazem parte da nossa comunidade. Com o objetivo de mostrar para a população que pensamento é equivocado, a Prefeitura de Ouro Preto realizou, entre os dias 04 e 28 de abril, o evento Abril Indígena, um projeto pensado para mostrar como a cultura indígena ainda está muito viva no município e no país.
O projeto Abril Indígena foi histórico para a cidade de Ouro Preto. Ele nasceu da ideia da Diretoria da Igualdade Racial em mostrar que existe sim uma cultura indígena bem viva e bem forte no município, e que ela faz parte do nosso cotidiano. Entre os dias 04 e 28 de abril, a população de Ouro Preto, principalmente as crianças do 3° ano do ensino fundamental de várias escolas municipais, tiveram a oportunidade de participar de palestras, oficinas e gincanas que tinham o intuito de apresentar e divulgar a cultura indígena. Este projeto teve por finalidade contribuir com a autodeterminação dos indígenas Borum-Kren que vivem no território originário, por meio da ação dos próprios indígenas, com o intuito de colaborar com o fortalecimento dos modos de vida coletivos e a explicação do significado do jeito de viver no território ancestral, lutar e exercer o controle do território e a gestão ambiental dos lugares onde moram, para acessar outros e assegurar uma vida plena nas cidades, além de apoiar sua afirmação étnica e cultural.
Danilo Antônio Campos da Silva, idealizador do projeto e líder do povo Borum-Kren, afirma que o evento foi muito importante,“primeiro, porque, quando nossa cidade era capital, foi assinado a lei do extermínio contra o povo indígena, e a gente mostra que estamos aqui e que nossa cultura está viva e forte”. Também sobre a importância do projeto para todo o povo indígena, comenta: “[A cultura] é legítima da nossa região, da nossa cidade. Mostra que os indígenas de Ouro Preto não são seres do passado. A cultura indígena não é uma cultura ultrapassada, é uma cultura do amanhã. Ela vem da terra, e mostrar isso em um evento, mostrar que estamos aqui e estamos vivos é de valor imensurável”.
As atividades foram ministradas por pessoas guardiãs de saberes do povo Borum-Kren, assim como por indivíduos pertencentes às etnias parceiras em promover a troca de conhecimentos e intercâmbio cultural, como Edson Kayapó, Aline Kayapó e Siba Puri. A Casa de Cultura Negra de Ouro Preto foi a sede da maioria das atividades, assim como algumas escolas da região. Dentro da programação, aconteceu também a Roda de Fogueira, onde palestrantes, oficineiros, convidados e participantes se reuniram para uma confraternização com canto, pintura, comidas e bebidas típicas.
Desconstruindo estereótipos
Eventos como o Abril Indígena dão a oportunidade para os povos indígenas desconstruir estereótipos e afirmarem suas identidades fora da aldeia, já que os olhares da sociedade não indígena se voltam para tais questões. No mês de abril, a figura folclórica do imaginário popular dá lugar às histórias de indígenas reais, que ocupam lugares na política, nas universidades, na saúde, e em muitos outros espaços que foram historicamente negados aos povos originários do país. No Brasil, vivem mais de 300 povos indígenas, falantes de mais de 180 idiomas. São povos que guardam com orgulho suas manifestações culturais e tradições milenares e que lutam pelos seus territórios, costumes e tradições. “Em Minas Gerais, existem 19 etnias reconhecidas. Devido a estes fatores, na presente geração, alguns indivíduos decidiram levantar suas cabeças para que os últimos elos de ligação com nossas raízes originárias não se perdessem para sempre. E foi neste contexto que surgiu o Projeto Borum-Kren Vivos e Fortes, iniciado por Danilo Campos, que visa o fortalecimento e a reafirmação da identidade indígena dos indivíduos e famílias remanescentes em busca dos direitos que nos pertencem”, afirma Bárbara Flores, pertencente ao povo Borun-Kren, professora, pesquisadora e escritora.
A ideia de fortalecer esses eventos de igualdade racial vem do intuito de desconstruir tudo o que viemos aprendendo, de acabar, pouco a pouco, com nossos pré-conceitos. Segundo Kedison Guimarães, diretor de Promoção da Igualdade Racial da Casa de Cultura Negra de Ouro Preto, o objetivo é fomentar a cultura e a educação para todos, para que possamos desconstruir essas ideias que temos que não fazem parte do contexto atual.
De acordo com Valéria Lopes Reis, coordenadora da Escola Municipal Nossa Senhora das Graças, o evento mostrou para ela e para as outras professoras o quão estereotipados eram os seus conhecimentos e os seus ensinamentos sobre povos originários, e precisamente aí, se deu a importância deste evento. As palestras, as gincanas e as oficinas mostraram a necessidade de ampliar os entendimentos para mudar as formas de agir e de pensar. “Acho que o que mais aprendemos no evento foi sempre tentar ampliar o nosso conhecimento da cultura indígena. Talvez a palavra a ser usada mesmo não seja ampliar, porque temos um conhecimento muito distorcido desta cultura”, afirma.
Construindo uma corrente do bem
Quando as crianças são expostas a projetos como esse, a ideia tende a ser multiplicada e compartilhada, porque a criança conta para a família, reflete sobre o assunto, interage com o tema e traz consigo as partes mais marcantes do que aprenderam. Para os alunos do 3° ano da Escola Municipal Tomás Antônio Gonzaga, foi muito interessante aprender sobre a cultura com uma pessoa indígena. “O Danilo ensinou muita coisa legal pra gente, e ele usava alguns brincos de madeira e um colar de dente, porque ele gostava de falar da cultura dele”, diz Gabriel Henrique Sales Fagundes, aluno de 8 anos que saiu do evento e contou para a mãe dele tudo que ele aprendeu. O que mais chamou a atenção das crianças neste dia do evento foi aprender a fazer fogo e a importância dele para a sobrevivência na mata. Os meninos também aprenderam sobre como a natureza é importante, e que o mundo sem ela não é nada. “Tudo é natureza, a maçã que a gente come e as coisas que as pessoas indígenas usam para fazer suas coisas também”, afirma Bernardo Siqueira Gonçalves, que também adorou aprender a música sobre o fogo amigo.
Passado de perseguição
Diante do Projeto de extermínio declarado contra o povo indígena, algumas famílias e indivíduos, para sobreviver aos massacres, perseguições e muitas outras violências, tiveram que negar a sua identidade, deixar de falar o idioma originário e de praticar muitos costumes marcantes da cultura ancestral. Estes fatores de negação das identidades deixaram marcas profundas no ser indígena, que teve seu pertencimento negado, gerando muitos distúrbios psicológicos em toda uma geração, fazendo-se necessária e importante projetos de reafirmação do povo e de revitalização da cultura, como foi o Abril Indígena.
Oficinas ministradas: Formação Política para Indígenas Mulheres; Pintura corporal como empoderamento.
Palestra: Povos indígenas e a história: invisibilidade e resistência.
Oficina de canto – Vozes da montanha
Oficina de Chocalho/Maraca
Oficina de Stok (brinquedo)
Oficina de Peteca
Oficina de Mudas
Plantas medicinais
Oficina de Fogo
Oficina de arco e flecha
Oficina de Kikrok
Oficina de Arapuca
Roda de contação de histórias
Por Clara Costa – Assessoria Prefeitura de Ouro Preto