Diante de cenário desafiador, participantes do debate defendem incremento das ações dos órgãos de fiscalização e estudos do setor

Evidenciada em diversas áreas do trabalho, a precarização do ambiente funcional tem como sua principal consequência o adoecimento do trabalhador, que o predispõe mais fortemente a acidentes. Em linhas gerais, essa foi a grande constatação da segunda parte do Debate público: Saúde e Segurança no Trabalho em Minas e no Brasil, realizado nesta sexta-feira (28/4/23), por solicitação do deputado Betão (PT).

O evento reuniu sindicalistas e especialistas que jogaram luz sobre o tema por diferentes prismas, incluindo aí propostas para incrementar as ações dos órgãos de fiscalização e análise da situação trabalhista no País, por meio de maior investimento do poder público.

Marta de Freitas, coordenadora do Fórum Sindical e Popular de Saúde e Segurança do Trabalhador de Minas (FSPSST/MG), recuperou os desdobramentos das mortes dos 78 mineiros nos Estados Unidos, em 1969. O acidente foi inspiração para a criação do 28 de abril como Dia Mundial em Memória às Vítimas de Acidentes e Doenças Relacionadas ao Trabalho.

Lei exemplar nos EUA


Na avaliação da gestora, o fato trouxe grande lição para aquele país, que elaborou uma das leis mais severas sobre saúde e segurança no trabalho. Já no Brasil, na avaliação dela, crimes maiores que o norte-americano, como os rompimentos de barragens em Brumadinho (Região Metropolitana de Belo Horizonte) e Mariana (Central) não geraram ações do poder público tão incisivas.

Uma das provas disso é evidenciada pelo fato mais de 1 milhão de pessoas sofrerem no País com o chamado “terrorismo de barragem”, em que mineradoras intimidam comunidades do entorno de seus empreendimentos. Além disso, afirmou, Minas ainda tem quatro barragens com risco de romperem, sem falar nos cinco rompimentos menores que ocorreram no Estado após Brumadinho.

A atual situação levou a sindicalista a concluir que o Brasil retrocedeu muito nos últimos anos: “Nosso País voltou ao início do século 20, pois ainda tem como uma das suas principais atividades econômicas o extrativismo. E na outra ponta, a indústria nacional está morrendo”.

Informalidade e desemprego


O quadro de precarização no trabalho se mostra sob diferentes formas, como o aumento da informalidade, a instabilidade no emprego, a baixa remuneração, as jornadas prolongadas de trabalho. Contra isso, Marta defende que “é hora de parar de chorar e propor ações”.

Entre elas, a gestora propõe a restruturação dos Centros de Referência em Saúde do Trabalhador (Cerest) em Minas, que atendem a menos de 50% dos municípios e, mesmo nos atendidos, não conseguem dar vazão a todas as demandas. Marta também propôs a elaboração de projetos na ALMG para proteger a saúde do servidor público e do trabalhador rural.

Outra entidade que precisa ser restruturada, segundo Marta, é a Fundacentro, órgão de segurança e medicina do trabalho, que tinha mais de 10 unidades no Brasil e hoje conta com apenas três. Por fim, pediu a recuperação do Ministério do Trabalho e do Emprego (MTE), para reforçar a fiscalização.

Estresse e doença andam juntos


A titular da Procuradoria do Trabalho do 1º Ofício Geral de Varginha (Sul), Melina Schulze, abordou a relação cada vez mais direta entre estresse no trabalho e adoecimento. Conforme relatou, estudos sobre a psicopatologia do trabalho vinculam os dois aspectos, mostrando ainda como o sofrimento mental induz à somatização. Esta se revela no adoecimento do corpo, na forma de doenças como câncer, problemas cardíacos e outros.

Como meio de melhorar essa situação, a procuradora sugere que as empresas adotem a chamada análise ergonômica do trabalho, que propõe um estudo completo desse ambiente, com a participação de seus gestores e trabalhadores. Isso incluiria não apenas a avaliação do mobiliário e dos riscos físicos, mas também, das diferenças entre o trabalho real e o que é prescrito, numa discussão democrática na empresa.

Prevenção


Já Marcelo Pertence, desembargador do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região falou sobre o Programa Trabalho Seguro, executado por esse órgão. “A justiça do trabalho, além de julgar, tem que atuar proativamente para se criar uma cultura de valorização do trabalho”, refletiu.

Nesse sentido, valorizou o Trabalho Seguro, programa de ações nacionais de prevenção aos acidentes laborais. Uma das atividades é auxiliar de forma interinstitucional setores que atuam na saúde e na segurança do trabalho. A campanha Abril Verde e o próprio debate público na Assembleia são frutos também dessa atuação.

Carga de trabalho excessiva predispõe a acidentes


Representantes do Sindicato dos Marceneiros de Ubá abordaram a dura realidade vivida pelos trabalhadores do município e de outros da Zona da Mata que atuam na fabricação de móveis. Bruno de Oliveira, advogado do Sindicato, observou que há uma relação direta entre o número de acidentes e denúncias de excesso de horas trabalhadas.

Ele explica que o trabalhador que opera as máquinas exerce uma função repetitiva, por 3, às vezes, 4 horas, sem pausa e sem se alimentar. Por isso, ele analisou que a luta sindical tem que ir além da segurança do trabalho, incorporando o que está no entorno, como fornecimento de alimentação pelo empregador e controle das jornadas.

Mutilações
Bruno também relatou que, nos dois últimos anos, ocorreu aumento do número de acidentes de trabalho, com destaque para mutilação de membros superiores. As mutilações, como destacou, têm atingido principalmente jovens em seus primeiros empregos e, consequentemente, com salários mais baixos. Ele disse que as máquinas utilizadas, geralmente serras, incorporam baixa tecnologia e tem dispositivos simples, mas, por outro lado, dependem de equipamentos de proteção, os quais as empresas não têm adquirido na quantidade necessária.

Quando ocorrem acidentes, relatou o advogado, as informações são encaminhadas como notícias-fato ao MTE e ao Ministério Público do Trabalho (MPT) de Juiz de Fora (Mata). No entanto, há uma subnotificação dessas ocorrências pelas empresas e quando o sindicato as questiona, elas lançam mão da Lei Geral de Proteção de Dados para não apresentarem as informações.

Por sua vez, José Carlos Pereira, presidente do sindicato, lamentou que, nesta sexta, mais um jovem, de 22 anos, perdeu os dedos na indústria de móveis de Ubá. Ele destacou que Ubá hoje tem tem 120 mil habitantes e está crescendo, e por isso, precisamos contar com um MTE mais atuante. Lembrou que em outros ramos de atividade, a exploração tem aumentado: “Estão colocando trabalhadores para trabalhar de segunda a segunda nas redes varejistas, sem respeitar a folga de domingo”. Ele reivindicou ainda a instalação de um Cerest no município para atender toda a região.

Ambiente seguro


Ao final do debate, o superintendente do MTE, Carlos Calazans disse que havia visitado a Justiça do Trabalho e o MPT para alinhar as ações em conjunto dos três órgãos. “Criar um ambiente de trabalho que propicie a saúde dos trabalhadores não é só tarefa do governo, mas de uma sociedade inteira. Estamos recuperando o estado brasileiro e reconstruindo o país”, disse.

Calazans anunciou ainda que convidará ao debate os empresários, para ajudarem no combate do trabalho análogo à escravidão. Por fim, afirmou que levará muitas das discussões para o interior do Estado. “Vamos fazer encontros em 15 cidades onde há gerência nossa – ao todo, são 47 agências em Minas. Com sindicatos autônomos e livres, vamos fortalecer os trabalhadores, para prevenirmos a exploração no trabalho”, completou.

Assédio


Na fase de debates, trabalhadores dos setores bancário, de saúde e educação, entre outros, queixaram-se de condições precárias de trabalho. A primeira categoria reclamou do adoecimento causado principalmente pela cobrança de cumprimento de metas. Trabalhadores da saúde pública denunciaram assédio moral em Betim (RMBH). Professores de Juiz de Fora criticaram o excesso de trabalho da categoria, que tem provocado doenças como calos nas cordas vocais e esgotamento.

Na foto destaque: Debate reuniu trabalhadores, entidades e autoridades que atuam no ramo do trabalho – Arquivo ALMG – Foto: Daniel Protzner

Fonte: Assessoria ALMG