Ouro Preto- Uma grande manifestação paralisou a Praça Tiradentes nesta quarta-feira, 24/08. O ato foi promovido pela Associação dos Municípios Mineradores de Minas Gerais e do Brasil, AMIG, que reivindica o pagamento da dívida da Vale com os municípios onde a empresa atua.
Na histórica cidade, foi apresentada uma carta aberta à sociedade, assinada por vários prefeitos, cobrando da empresa Vale o pagamento de mais de R$ 2,2 bilhões. A chamada “Carta de Ouro Preto” foi lançada na antiga residência do poeta inconfidente Tomás Antônio Gonzaga e, em seguida, um ato público, liderado pelo presidente da AMIG e prefeito de Conceição do Mato Dentro, José Fernando Aparecido de Oliveira, juntamente com o prefeito Angelo Oswaldo de Araújo Santos, de Ouro Preto, e outros chefes do executivo das cidades mineradoras aconteceu na Praça Tiradentes. Também participaram do manifesto o consultor da AMIG, Waldir Silva Salvador de Oliveira, a vice-prefeita de Ouro Preto, Regina Braga, vereadores e várias outras autoridades.
A mobilização iniciou-se no IV Encontro Nacional dos Municípios Mineradores, realizado nesta semana, no qual prefeitos, gestores e representantes de 73 municípios de nove estados discutiram os principais desafios do setor da mineração. O evento, promovido pela Associação dos Municípios Mineradores de Minas Gerais e do Brasil, AMIG, aconteceu no auditório do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais, em Belo Horizonte, onde foram discutidos temas importantes como a legislação que rege a atividade mineradora, as tragédias humanas e ambientais provocadas pelos desastres com barragens, as mudanças no mercado e no ambiente político, dentre outros. A dívida da empresa Vale aos municípios mineradores foi um dos assuntos debatidos e terminou por motivar a grande mobilização em Ouro Preto.
Sobre os recursos pleiteados, Waldir Salvador de Oliveira, ex-prefeito de Itabirito, disse que “a Vale descredibiliza a Agência Nacional de Mineração quando o assunto é quitar a dívida com os municípios, mas quando o assunto é barragens, ela exalta a ANM”. Ele afirma que “o orçamento da empresa tem R$ 8 bilhões para o pagamento de dívidas judiciais sobre a CFEM (Compensação Financeira pela Exploração Mineral)” pois, segundo ele, na Justiça, “a Vale já teve treze derrotas em primeira instância e uma em segunda instância”. Salvador destaca que “os prefeitos não são inimigos da Vale, mas não resta alternativa além de explicitar o calote e esperar uma mudança de postura da empresa”.
Saulo Morais de Castro, prefeito de Catas Altas, afirma que o valor da dívida com seu município é de cerca de R$ 70 milhões, o equivalente a um orçamento anual. De Barão de Cocais, o prefeito Décio dos Santos e João Lima, presidente da Câmara, informaram que a cidade também tem R$ 70 milhões a receber. Já a dívida da Vale com o município de Itabirito é de R$ 90 milhões, segundo o prefeito Orlando Caldeira.
Com Ouro Preto, a dívida da Vale ultrapassa a quantia de R$ 300 milhões. Para o vereador e presidente da Câmara Municipal, Luiz Gonzaga de Oliveira, o pagamento dos valores devidos aos municípios é muito importante, pois os recursos poderão ser empregados em muitas obras, ou para melhorar a saúde e a educação das populações: “Que a Vale nos devolva o que é justo e é nosso, aquilo que tiraram da nossa terra”, disse.
Fala do presidente da AMIG: “nós não vamos permitir este calote”
Apesar de Conceição do Mato Dentro, cidade chefiada pelo presidente da AMIG, não ter nada a receber da Vale, o prefeito José Fernando Aparecido de Oliveira manifestou solidariedade aos demais municípios onde a mineradora atua.
“É uma dívida de mais de vinte anos e o ato de cobrança pública foi a solução. A cobrança é justa, sobretudo nesse período pós-pandemia em que os municípios sofreram muito. Nós não vamos permitir calote e a Carta que assinamos em Ouro Preto vai para o Judiciário, o Legislativo e aos Poderes Executivos de todo o país. Neste momento de eleição nacional, é importante esse comunicado”. Aparecido acusa a Vale de “utilizar de subterfúgios pra ficar adiando uma cobrança líquida e certa” e afirma também que é preciso “fazer uma reflexão sobre o futuro da mineração no país.”
José Fernando Aparecido de Oliveira, prefeito de Conceição do Mato Dentro, MG
Fala do anfitrião: “parece a história das mil e uma noites, a vale tem que pôr um fim nessa lenda que ela está criando.”
Logo no início do ato organizado pela AMIG, o prefeito Angelo Oswaldo sintetizou para a imprensa sua indignação diante da postura da empresa Vale que, segundo ele, está protelando o pagamento da dívida bilionária aos municípios.
“Ouro Preto é uma cidade síntese da mineração brasileira, nós temos um minério no nosso nome. Ouro Preto, a velha e eterna capital de Minas Gerais é hoje também um ponto de convergência de todos os municípios mineradores da AMIG, que congrega não só os municípios mineradores mineiros, mas também os municípios brasileiros que praticam a mineração. A AMIG, hoje, é uma entidade representativa da mineração brasileira, embora seja a Associação de Minas Gerais. E ela fez essa convocação porque nós não podemos suportar mais os adiamentos, as prorrogações, a dilatação de prazo, tudo isso que nos é imposto pela mineração Vale. E ela ganha ainda com a prescrição dos recursos, a cada ano, pode diminuir também a quantia que ela deve aos municípios. Ainda assim nós temos dois bilhões e duzentos milhões de reais, dos quais trezentos e dez milhões cabem a Ouro Preto. Não podemos ficar de braços cruzados, ouvindo só as argumentações da Vale no sentido de nunca resolver. Há excelentes funcionários da Vale que praticam um bom diálogo com as prefeituras, mas numa obra de benemerência, que é obrigação social da empresa. Uma empresa que pratica mineração compatível, uma empresa moderna, uma empresa cidadã, ela tem obrigação de praticar esses programas sociais e a Vale tem bons funcionários pra fazer isso. Mas a dívida é outra coisa, CFEM é outra coisa, ela tem que pagar o que ela deve aos nossos municípios. Nós já estivemos com o presidente da Vale, que mandou conversar com o vice-presidente, o vice-presidente já não é mais vice-presidente, ele já foi exonerado, já tem outro vice-presidente, já tem outro diretor… Eles começam um diálogo e mudam a diretoria pra poder ganhar mais tempo, continuar restabelecendo um diálogo que não tem fim. Parece a história das mil e uma noites, a Vale tem que pôr um fim nessa lenda que ela está criando de estar permanentemente dilatando os prazos e não querendo decidir o que a justiça já decidiu. Ela tem que fazer um acordo e pagar o que ela deve, é um absurdo, é uma afronta aos municípios, à Minas Gerais, ao Tiradentes. Por isso nós estamos aqui, esse é o compromisso de Minas Gerais, do Brasil. A mineração provocou a Inconfidência Mineira, a mineração hoje, a Vale, promove esse grande encontro que tem repercussão internacional. Nós estamos tendo no dia de hoje atos de protesto na porta da companhia Vale, no Rio de Janeiro, em São Paulo, diante da Bolsa de Valores, nós estamos tendo repercussão internacional porque nós temos que escancarar, mostrar para o mundo inteiro o que é a Vale, que a Vale por enquanto não vale nada porque ela não assume as responsabilidades que ela tem com os municípios. E nós congregamos toda a força municipalista de Minas Gerais, o chão minerado, o chão de onde se extrai o minério está aqui em Ouro Preto para que nós possamos reivindicar imediatamente: não toleramos mais esse absurdo, e os municípios protestam. Se o Governo Federal não contribui para essa solução, se o Governo do Estado não contribui para essa solução, os municípios erguem a voz e pedem justiça. Que a Vale pague imediatamente o que ela deve aos municípios mineradores”.
Angelo Oswaldo de Araújo Santos, prefeito de Ouro Preto,MG
Fala do Prefeito de Itabira, Berço da empresa Vale
“Escolhemos o monumento à Tiradentes para realizar a manifestação, associando a imagem do mártir da Conjuração Mineira à dos novos conjurados, que lutam em defesa das cidades mineradoras. Em Itabira são 500 milhões de metros cúbicos represados em barragens. Estive com o presidente da empresa em Itabira e sigo na esperança de que a nova direção vai mudar o tratamento com os municípios”.
Marco Antônio Lage, prefeito de Itabira, MG
Ações compensatórias da Vale também foram cobradas na manifestação dos prefeitos
A vice-prefeita Regina Braga e o vereador Naércio França, aproveitando a mobilização dos prefeitos das cidades mineradoras, voltaram a cobrar da Vale o asfaltamento da MG 030, que liga o distrito de Engenheiro Corrêa a São Gonçalo do Bação, distrito de Itabirito. Segundo eles, a medida seria uma forma de compensar os transtornos provocados pelas obras da Estrutura de Contenção à Jusante (ECJ), realizadas para conter a lama em caso de rompimento das barragens de Forquilha I, II, III, IV, V e Grupo. Naércio reclama que “a Vale não reconhece os danos à comunidade de Engenheiro Corrêa e os impactos ambientais provocados na região” e afirma que os habitantes locais estão também receosos com as recentes falhas apresentadas na segurança: “quando houve uma chuva, as comportas do muro de contenção não funcionaram”, afirma o vereador.
Outro lado – “A Vale efetua, regularmente, o recolhimento da Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM), observando tanto as normas aplicáveis, quanto os limites constitucionais existentes.
Quanto aos questionamentos mencionados, a Vale aguarda uma manifestação definitiva pelo Judiciário.
Apenas nos últimos cinco anos, a Vale recolheu R$ 17,6 bilhões em CFEM, distribuídos aos Municípios pela ANM (Agência Nacional de Mineração).
A Vale continua empenhada em gerar valor compartilhado e sustentável para todos os Municípios onde atua, bem como contribuir para o crescimento das economias locais, nacionais e global, através de suas operações, investimentos, tributos e royalties.
O recolhimento de suas obrigações é parte fundamental da relação com a sociedade e divulgada de forma transparente em seu TTR – Relatório de Transparência Fiscal.”
Por Victor Stutz