Participantes de audiência que debateu problemas na prestação do serviço defenderam que atual concessionária seja retirada

A retirada da empresa privada Saneouro como prestadora do serviço de abastecimento de água e tratamento de esgoto em Ouro Preto (Central), com a consequente remunicipalização da atividade. Essa medida, acompanhada de outras ações- prévias, que permitam sua execução, e posteriores, para garantir a eficácia – foram defendidas pelos participantes de reunião da Comissão de Administração nesta terça-feira (14/3/23).

Na audiência pública da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), foram debatidos a cobrança de tarifas abusivas pela concessionária e os cortes no fornecimento de água de uma parcela expressiva dos munícipes devido ao não pagamento das contas. Representantes da população ouropretana foram os mais críticos à empresa e receberam apoio de autoridades e de acadêmicos.

O presidente da Federação das Associações de Moradores de Ouro Preto (Famop), Luiz Carlos Teixeira, resumiu as principais críticas e reivindicações. “Queremos a imediata suspensão da cobrança de tarifas e multas abusivas”, reivindicou. “Aquele cartão-postal que colocam de Ouro Preto não é verdadeiro. É uma cidade pobre, preta, com a maioria das pessoas recebendo baixos salários, morando apinhadas nos morros das periferias”, relatou.

Diante de irregularidades observadas no contrato de concessão, Teixeira propôs a anulação sumária do documento. Entre os desvios ele citou a falta de: um plano municipal de saneamento, uma agência reguladora para acompanhar a empresa e concorrência ampla. Disse ter estranhado a negativa da Copasa em participar da concorrência para prestar o serviço em Ouro Preto. Outra irregularidade apontada foi, segundo ele, o descumprimento de cláusula do contrato que trata da qualidade dos serviços prestados.

Por tudo isso, o dirigente defendeu que se dê início ao processo de remunicipalização, com instalação de uma estrutura estatal para lidar com o processo, já preparando para a assunção, pelo poder público, do serviço de saneamento.

Hidrômetros


Já Marcos Calazans, do Comitê Sanitário de Defesa Popular de Ouro Preto, relatou as lutas vitoriosas empreendidas pelos moradores de localidades do município. Entre outros, ele citou os distritos de Antônio Pereira, Pocinho e Santo Antônio do Leite, nos quais os moradores impediram a instalação de hidrômetros nas residências. “Ouro Preto sempre foi palco dos saques das riquezas nacionais, primeiro do ouro, depois do minério, e agora, da água. Vão as riquezas e não vem dinheiro, ficando só o rastro de destruição”, considerou.

Também reclamou da atuação do prefeito de Ouro Preto, Ângelo Osvaldo, que não teria “movido uma palha para tirar a Saneouro do município”. E requereu à ALMG que apoie a iniciativa de mover uma ação civil pública para impedir as interrupções do fornecimento de água: “Vamos recolher documentos da população para questionar esses cortes e também o processo licitatório”.

Marilda Costa, presidente da Associação de Proteção Ambiental de Ouro Preto (Apaop), buscou defender o direito básico à água para a população local. “Somos um pobre município rico, que recebe impostos de R$ 1,3 milhão por dia”, lamentou, completando que só 0,7% do esgoto na cidade era tratado. E lembrou que Ouro Preto era o berço de rios importantes como o Paraopeba, o Velhas, o Piracicaba, entre outros, mostrando a importância do município para todo o Estado.

Letícia Farias, do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), informou que estão nas mãos da iniciativa privada apenas 6% da distribuição de água e 12% do saneamento, demonstrando que há um grande campo a ser explorado pelas empresas. Por isso, ela defendeu a mobilização popular no sentido contrário. Por fim, destacou que, na discussão do acordo após o rompimento de barragem em Mariana (Central), está sendo defendida a reparação dos danos provocados aos municípios atingidos e Ouro Preto é um deles. “Estamos pressionando para que paguem um valor às prefeituras e ao Governo de Minas para investirem no saneamento”, disse.

Acadêmicos embasam questionamentos à atuação da Saneouro


Rafael Bastos, do Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento e professor da Universidade Federal de Viçosa, falou sobre os estudos que fez a pedido da prefeitura de Ouro Preto sobre o valor das tarifas e sobre a qualidade da água fornecida. Como relatou, ficou comprovada a cobrança de valores muito inferiores de contas de água em municípios de porte semelhante ou superior a Ouro Preto.

Também ficou evidente o alto impacto do valor das tarifas dessa cidade sobre as finanças das famílias de baixa renda e em pobreza extrema. O estudioso acrescentou que a situação se agrava pelo fato de o contrato com a Saneouro incluir apenas 5% entre os consumidores de água na tarifa social, desconsiderando o fato de que 23% da população local está abaixo da linha da pobreza.

Sobre o estudo relativo à qualidade da água, Bastos informou que foram avaliados 22 sistemas de abastecimento de Ouro Preto. Foram observadas irregularidades, algumas graves, em relação ao cumprimento de exigências quanto à qualidade da água em todos os sistemas. Dessa forma, ele conclui que a tarifação abusiva agravada pela baixa qualidade do serviço era suficiente para se questionar a continuidade da prestação desse atendimento pela empresa.

Eduardo Ferreira, engenheiro civil do Sindicato dos Técnicos em Administração da Universidade Federal de Ouro Preto, lembrou que a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) apurou várias irregularidades no edital para concessão do serviço. No entanto, afirma ele, o relatório foi simplesmente engavetado e o prefeito não fez nada efetivo para reverter a situação. Ele defendeu que o prefeito seja processado por improbidade administrativa.

Comissão de Administração Pública – debate sobre cobranças de tarifas abusivas pela empresa Saneouro, em Ouro Preto

Revisão da concessão


Superintendente municipal de Habitação de Ouro Preto e gestor do contrato da Saneouro, Pedro Moreira ratificou os problemas apontados no serviço. Para ele, um caminho de negociação seria o da revisão da concessão dentro de um acordo incluindo o Judiciário.

Diversos participantes da audiência abordaram o acompanhamento da licitação e da oferta do serviço por parte da Agência Reguladora Intermunicipal de Saneamento Básico de Minas Gerais (Arisb). Diretor da agência, Filipe Conceição explicou que ela se tornou responsável em Ouro Preto depois da concessão e que foram elaboradas minutas de aditivos contratuais, entregues à prefeitura e à concessionária, mas até hoje sem resposta.

Lembrou que o marco do saneamento impede a interrupção do abastecimento nas residências que usufruem da tarifa social. Quanto à condição da água, informou que há um processo de fiscalização em curso. Outro processo, sobre intermitência do serviço, resultou em penalidades e autos de infração.

Parlamentares questionam ausência de representante da Saneouro


Vários parlamentares criticaram o fato de a Saneouro não ter enviado seu representante para a audiência pública. Beatriz Cerqueira (PT) avaliou que a privatização da água de Ouro Preto poderia servir como um alerta para a população de outras cidades. “Se a Saneouro não teve condições de vir aqui hoje para discutir esse tema não tem também a condição administrativa de continuar prestando o serviço”, concluiu.

Bela Gonçalves (Psol) considerou grave a situação em Ouro Preto: “Privação de água significa privação do alimento e da saúde”. Ela disse ter ouvido relatos de moradores que reclamaram de que a água estava barrenta e com coliformes fecais.

Betão (PT) enfatizou a luta de seu mandato contra as privatizações. E relatou que em vários países está ocorrendo a reestatização do serviço de saneamento, como na Holanda, no Japão, na Argentina, na índia, no Canadá e até nos Estados Unidos. Em sua opinião, o Brasil está na contramão do mundo.

Leleco Pimentel (PT) propôs que o prefeito Ângelo Osvaldo faça a intervenção na concessionária. Ele questionou a cobrança de valores abusivos da população, com contas chegando até a R$ 8 mil. Ele aventou a possibilidade de a Saneouro, empresa coreana, estar sendo também financiada por mineradoras, uma vez que estas fazem uso intensivo da água e não pagam por ela. “O Fora Saneouro hoje é um imperativo ético, para que em nenhum lugar do País as águas sejam privatizadas”, defendeu.

Rodrigo Lopes (União Brasil) se solidarizou com os moradores de Ouro Preto. Ele afirmou ter vivenciado situação parecida quando era prefeito de Andradas (Sul), mas em relação à Copasa, que não estaria prestando um bom serviço a sua cidade. Considerando a municipalização o melhor modelo quando a cidade se estrutura para prestar o serviço de saneamento, ele se colocou à disposição do prefeito Ângelo Osvaldo para falar de sua experiência em Andradas.

Professor Cleiton (PV) divulgou que a Saneouro está presente em apenas seis municípios brasileiros e que teria afirmado que há uma cultura dos moradores de não economizar água. Ele contrapôs a esse argumento uma resolução de 2010 da ONU, a qual diz que os países signatários reconhecem a água potável e o saneamento como um direito fundamental. Por outro lado, apontou os riscos de um rompimento unilateral do contrato: “Não depende só da vontade do prefeito e sim, dos órgãos da justiça”.

Veja o resultado e o vídeo da reunião.

Fonte: Assessoria ALMG

Foto destaque: Pessoas: Beatriz Cerqueira (deputada estadual PT/MG), Leleco Pimentel (deputado estadual PT/MG), Renato Alves de Carvalho (vice-presidente da Câmara Municipal de Ouro Preto), Míriam Luzia Xavier (moradora do Município de Ouro Preto e Integrante do Movimento de Moradia Ocupação Chico Rei), Luiz Carlos Teixeira (presidente da Federação das Associações de Moradores de Ouro Preto – Famop

Fotos: Willian Dias