Paralisada desde o rompimento da barragem da mineradora Samarco em novembro de 2015, a Usina de Candonga não deve retomar o funcionamento antes de dezembro. A interrupção das atividades da hidrelétrica por mais de sete anos vem afetando a arrecadação de dois municípios mineiros: Rio Doce e Santa Cruz do Escalvado. Para compensar os prejuízos, a Justiça Federal determinou que a Samarco e suas acionistas Vale e BHP Billiton passem a efetuar pagamentos mensais.
Localizada em Mariana (MG), a barragem que se rompeu liberou 39 milhões de metros cúbicos de rejeito que escoou pela bacia do Rio Doce, até a foz no Espírito Santo. Dezenove pessoas morreram e dezenas de municípios foram afetados. Os impactos ambientais teriam sido ainda maiores se a Usina de Candonga, como é popularmente conhecida a Usina Hidrelétrica Risoleta Neves, não tivesse atuado como uma barreira. Estima-se que cerca de 10 milhões de metros cúbicos de rejeito tenham sido retidos dentro do seu reservatório.
Situada nos limites entre Rio Doce e Santa Cruz do Escalvado, a Usina de Candonga é administrada por um consórcio no qual o quadro de controladores tem a Vale como figura principal. Ela responde diretamente por 50% e os outros 50% pertencem à Aliança Energia, uma joint-venture formada pela própria mineradora (55%) e Cemig (45%). Além de poluir a água e afetar a capacidade de armazenamento do reservatório, a lama também provocou estragos nas turbinas.
Com a paralisação das atividades, a Usina de Candonga deixou de recolher dois tributos que beneficiavam ambos os municípios: o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e a Compensação Financeira pela Utilização de Recursos Hídricos (CIFURH), que é considerada como royalties da energia elétrica.
Acordo
Em março de 2016, quatro meses após a tragédia, as três mineradoras, a União e os governos de Minas Gerais e do Espírito Santo assinaram um acordo que ficou conhecido como Termo de Transação e Ajustamento de Conduta (TTAC). Ele estabeleceu 42 programas de reparação, um deles voltada especificamente para o desassoreamento e para a completa recuperação do reservatório da Usina de Candonga.
Conforme previsto no acordo, para administrar todos os programas, foi criada a Fundação Renova. Embora seja mantida com recursos das três mineradoras, ela tem uma direção própria. Sua atuação, no entanto, tem sido alvo de questionamentos judiciais do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), do Ministério Público Federal (MPF) e de entidades que representam os atingidos. Eles consideram que a estrutura de governança não assegura a autonomia da Fundação Renova perante as mineradoras. Diante das divergências em torno das medidas de reparação, tiveram início no ano passado tratativas para um novo acordo. Até o momento, não houve sucesso.
No caso da Usina de Candonga, o TTAC previa a conclusão da dragagem dos primeiros 400 metros do reservatório até 31 de dezembro de 2016. A Samarco adquiriu uma fazenda em Rio Doce para dispor o rejeito dragado de forma sustentável. O prazo do TTAC, no entanto, não foi cumprido.
Questionado pelo MPMG na época, a Samarco se justificou dizendo que o assoreamento dificultava o acesso das dragas, já que havia excesso de rejeitos e baixo nível de água. O consórcio que administra a Usina de Candonga mantinha suas comportas abertas pelo temor de que a estrutura projetada para armazenar água pudesse entrar em colapso com a presença do rejeito de mineração.
Diante da situação, um novo acordo foi costurado em cima de estudos que deram segurança para que o nível de água fosse elevado até três metros de altura. O trabalho, no entanto, seguiu um ritmo lento e novos prazos pactuados foram descumpridos. Em 2020, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) chegou a informar que multas por sucessivos descumprimentos de prazos somavam R$ 46 milhões. Em seu site, a Fundação Renova sustenta que a limpeza do reservatório é uma operação complexa e que “entre priorizar cumprimento de prazo, segurança ou cuidados com o meio ambiente, sempre optará pela segurança e a proteção ambiental”.
Segundo cálculo apresentado pelos municípios em ação movida no ano passado, Rio Doce deixou de arrecadar, desde o rompimento, R$ 24,7 milhões e Santa Cruz do Escalvado R$ 24,2 milhões. O ressarcimento de todo este montante ainda será discutido. Por ora, a Justiça Federal concedeu liminar para que as mineradoras e a Fundação Renova façam depósito mensal levando em conta a média calculada conforme parâmetros e critérios técnicos.
A decisão foi assinada pelo juiz Michael Procopio Ribeiro Alves Avelar e, caso não seja revertida, os pagamentos devem ser realizados até que a Usina de Candonga retome seu funcionamento. Chamado a se posicionar no processo, o MPF manifestou-se favoravelmente ao pleito dos municípios.
A título de CFURH, Rio Doce deve receber R$ 58,8 mil e Santa Cruz do Escalvado R$ 51 mil. Já o ICMS será apurado mês a mês com base na arrecadação do estado, que é repartida entre os municípios segundo parâmetros pré-estabelecidos. Uma simulação referente à agosto de 2018 foi incluída no processo: naquele mês Rio Doce receberia R$ 156,3 mil e Santa Cruz do Escalvado R$ 161,5 mil. Procurada pela Agência Brasil, as mineradoras não se manifestaram. A Fundação Renova informou que irá se posicionar nos autos do processo.
Repasses
Mesmo após o rompimento da barragem, a Usina de Candonga recebeu repasses por meio do Mecanismo de Realocação de Energia (MRE) como se estivesse operando. Administrado pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), o MRE é um sistema criado para mitigar os riscos econômicos das hidrelétricas ocasionados pela escassez de chuvas.
A Aneel chegou a suspender os repasses, mas a Usina de Candonga obteve uma decisão judicial de primeira instância favorável e os pagamentos foram retomados. Em manifestações judiciais em 2020, a Aneel indicou que a situação já havia gerado um prejuízo superior a R$ 420 milhões às demais hidrelétricas que compõe o MRE e que cerca de 30% desse total acaba sendo repassado gradativamente aos consumidores por meio da conta de luz. Também sustentou que, enquanto recebe os valores, o consórcio que opera a usina “não tem sido diligente na retomada da operação comercial”.
Em outubro de 2021, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ), composta por 15 ministros, determinou o fim dos repasses. Por unanimidade, foi aprovado o voto do relator Humberto Martins. Segundo ele, a manutenção dos pagamentos traria prejuízo econômico aos consumidores e beneficiaria indiretamente a Vale, que é simultaneamente uma das controladoras da Usina de Candonga e da Samarco, responsável pelos danos ambientais.
Por Léo Rodrigues – Repórter da Agência Brasil – Rio de Janeiro
Foto: Divulgação/MPF