Instituto defende proposta do governo contida em projeto de lei, mas entidades acusam má gestão do Estado e falta de clareza sobre medida

O desmonte do patrimônio do Ipsemg, o Instituto de Previdência dos Servidores do Estado, com a venda de imóveis do órgão sem auditoria prévia e sem clareza sobre a destinação dos recursos, foi o principal temor manifestado pela manhã em debate público que discute ao longo desta segunda-feira (04/11) as consequências do Projeto de Lei (PL) 2.238/24.

De autoria do governador, o projeto atualiza os valores mínimo e máximo descontados dos beneficiários do Ipsemg para acesso à assistência médica, hospitalar, farmacêutica e odontológica e propõe a venda de imóveis pertencentes ao instituto. 

O debate, realizado na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) pela Comissão de Administração Pública, a requerimento da deputada Beatriz Cerqueira (PT), prossegue à tarde.

Pela manhã, a mesa 1 teve como tema a importância da preservação do patrimônio do Ipsemg e da sua gestão democrática, tendo a deputada ressaltado que a venda de imóveis proposta pelo governo chamou muita atenção. Segundo ela, há imóveis com localização excelente e por isso são alvo do interesse privado. 

Fazendo uma retrospectiva da tramitação do projeto na ALMG, Beatriz Cerqueira ainda reforçou críticas contra alíquotas trazidas no projeto e frisou que o PL do Executivo chegou à ALMG sem um demonstrativo de seus impactos financeiros e sem um plano de retorno aos beneficiários.

“Esse debate é o nosso último respiro, porque o projeto pode ser pautado a qualquer momento para votação em 1º turno no Plenário.” Dep. Beatriz Cerqueira

Até esta segunda (4), a última movimentação ocorrida na tramitação do projeto se deu na Reunião Ordinária do Plenário da última quarta-feira (30/10), quando a proposta recebeu 18 emendas e foi reencaminhada à Comissão de Fiscalização Financeira e Orçamentária para receber parecer de 1º turno.

Apesar das críticas à venda de imóveis do instituto, o presidente do Ipsemg, André Luiz Moreira dos Anjos, justificou a intenção do governo dizendo se tratar de seis imóveis não utilizados pelo órgão e que estariam gerando hoje mais gastos do que receita para o instituto. Cinco estão na Capital e um, em São João del-Rei (Central).

“O Ipsemg está simplesmente se desfazendo de equipamentos que não são necessários para o seu atendimento.” André Luiz Moreira dos Anjos – Presidente do Ipsemg

Conforme especificou o gestor, num desses imóveis, na Avenida Amazonas, na Capital, funciona um estacionamento há mais de 15 anos. Foram cinco processos de concessão realizados no período, dos quais somente um teria  resultado no cumprimento do contrato, tendo os demais ocupantes sido retirados por decisão judicial.

Segundo ele, situação semelhante teria ocorrido com uma loja no mesmo quarteirão, cuja dívida com o descumprimento de contrato chegaria a R$ 10 milhões. 

A justificativa foi rebatida por Beatriz Cerqueira. Ela questionou a razão de se desfazer dos imóveis em questão por um valor total estimado em R$ 46 milhões, se esse montante não cobriria nem o déficit alegado pelo Ipsemg.

“Se o instituto não recebe os alugueis, o problema então é de gestão, uma função do próprio serviço público, ainda mais em se tratando de um patrimônio em regiões bem localizadas e de interesse de grupos econômicos”, reiterou.

Túlio Lopes, da Associação dos Docentes da UEMG, foi uma das lideranças de entidades representativas de servidores estaduais que também questionaram a venda dos imóveis. “Se trata de um patrimônio público do trabalhador, que precisa ser defendido e passar por auditoria”, cobrou ele. 

Antonieta de Cássia Dorledo de Faria, presidente do Sindicato dos Servidores do Ipsemg, acrescentou que o Ipsemg é fruto de uma história de mais de 100 anos, quando servidores criaram sua própria caixa, que conforme registrou é uma instância de seguridade, previdência, assistência e saúde. “Esse foco não pode ser perdido, mas há anos cada governo vem arrancando uma lasca dessa instituição”, criticou ela. 

Ipsemg defende maior arrecadação 

Antes de ser questionado sobre a venda dos imóveis, tratada no projeto de lei, o presidente do Ipsemg fez uma apresentação sobre a situação financeira do instituto abordando o orçamento deste ano. 

Segundo ele, após o reajuste salarial de 4,62% dado aos servidores, houve aumento na despesa do Ipsemg projetada para este ano, mas também houve aumento na receita por outro lado, o que reduziu o déficit previsto para 2024 de R$ 188 milhões para R$ 118 milhões, impactando sobretudo a rede conveniada.

Nesse contexto ainda de déficit expressivo, ele defendeu as mudanças contidas no projeto de lei dizendo que elas trarão um acréscimo de arrecadação permitindo, por exemplo, ampliação da assistência pela rede pública e abertura integral dos leitos do Hospital Governador Israel Pinheiro, além da expansão da oferta de atendimento odontológico.

O presidente do Ipsemg também justificou que o aumento da arrecadação permitirá expandir a oferta da rede conveniada, não somente ampliando a rede em si, mas atualizando a tabela praticada pelo Ipsemg, defasada há anos, conforme pontuou.

Segundo o dirigente do órgão, enquanto planos de saúde praticam o dobro ou mais, a tabela do Ipsemg para uma consulta padrão é hoje de R$ 50,00, com direito a retorno em até 30 dias. 

Nesse sentido, ele disse que as mudanças em alíquotas vão gerar aumento de receita. Como exemplo, disse que aqueles que ganham até cerca de R$16 mil vão pagar 3,2%. Hoje a faixa de até R$10 mil paga menos, contribuindo poporcionalmente menos do que quem ganha até R$ 5 mil.

“Ou seja, o objetivo é manter os 3,2% para uma faixa maior de servidores. Além da criação da alíquota adicional de 1,2% para a população maior de 59 anos, que segundo os dados gastam em média cinco vezes mais em serviços”, exemplificou.

Comparação a plano de saúde causa divergência

Público que acompanhou debate mostrou preocupação com um possível desmonte do patrimônio do Ipsemg Foto: Guilherme Bergamini/ALMG

Geraldo Antônio da Conceição, presidente do Conselho de Beneficiários do Ipsemg (CBI), defendeu a urgência da aprovação do projeto dizendo que o Ipsemg não teria mais como continuar funcionando no cenário atual.

“Não adianta cobrar gestão onde não tem recurso. Funcionando bem, o Ipsemg vai incomodar o setor privado de planos de saúde, porque são quase 900 mil usuários do Estado. Mas por R$ 287,00, que é o teto no Ipsemg (para contribuição,) ninguém consegue um plano decente no País, não dá para um plano sobreviver desse jeito”, comparou ele.

Esse posicionamento provocou protestos de lideranças sindicais e também vindos da plateia de servidores contrários às mudanças trazidas pelo projeto.

Alexandre Paulo Pires, coordenador geral do Sindicato dos Servidores da Justiça (Sinjus/MG) e ex-integrante do CBI, considerou descabida a comparação, dizendo que o Ipsemg não é um plano de saúde como o privado.

“É difícil rebater números, mas é preciso falar de gestão de governo. Ao longo dos anos, o Ipsemg foi sendo sucateado, e isso é uma questão de gestão do Estado da saúde de seus servidores”, contrapôs.

Para fortalecer o instituto, ele defendeu propostas como a reformulação, via mudanças na legislação, na composição do Conselho de Beneficiários. Isso para ampliar a representação do funcionalismo do Poder Executivo, dada a sua amplitude em relação aos demais Poderes, que hoje têm todos um representante cada. Cobrou também acesso transparante aos repasses do governo ao Ipsemg ao longo dos anos.

Da mesma forma, a deputada Beatriz Cerqueira alertou que tratar o Ipsemg como plano de saúde, sob a lógica do mercado, seria outro ponto de atenção e merecedor de críticas ao projeto.

Foto: Guilherme Bergamini/ALMG